Fome já atinge 46 milhões de brasileiros
O que eu imaginava extinto voltou a ocorrer, principalmente nos dois últimos anos: ver pessoas (homens, mulheres e crianças) remexendo o lixo em busca de comida.
Costumeiramente vejo, principalmente aos domingos, talvez por ficar em casa pela manhã, uma ou mais pessoas remexendo o lixo, logo cedo, em busca do que comer.
Todas as vezes que vejo isto sou tomado de indignação.
Lógico que?, ao ler a frase acima, vai ter um idiota perguntando: "?e por que você não dá de comer para essas pessoas?".
Digo idiota porque só quem pensa que a solução passa pela filantropia individual é idiota ou um completo alienado?. Não sei se há muita diferença de um para o outro.
A resposta para acabar com a fome passa pelas políticas públicas e não pela pura e simples filantropia. A filantropia presta ação emergencial, mas não resolve ?o problema?.
Domingo, 14 de janeiro, logo cedo vi aqui na frente de casa um cidadão, jovem (menos de 40 anos), com boa musculatura, parecia ter feito halterofilismo, revirando o lixo em busca de comida. Sei que buscava comida porque recolheu alguma coisa do lixo e começou a comer. Uma parte do que encontrou comeu, outra guardou. Saiu claudicando e remexendo as lixeiras aqui da rua: o que encontrava de comida comia, ou separava para levar.
Essa triste cena me trouxe ?à mente muitas passagens que já li, vi ou ouvi. Dos que li, me trouxe o poema "O Bicho" de Manuel Bandeira, os livros
A pele, de Curzio Malaparte, e
Geopolítica da Fome e
Geografia da Fome, de Josué de Castro.
"O Bicho" de Manuel Bandeira é muito representativo:
Vi ontem um bicho / Na imundície do pátio / Catando comida entre os detritos. // Quando achava alguma coisa, / Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade. // O bicho não era um cão, / Não era um gato, / Não era um rato. // O bicho, meu Deus, era um homem.
Comportamento igual tinha 'o bicho' aqui da frente de casa.
Muitos descreveram a fome, seja de maneira poética, romanceada, ficcional, traumática ou realista. Entre eles, Curzio Malaparte.
Em
A pele, que li ?há mais de 30 anos, ?e que também virou filme, Malaparte faz um relato do que é o pós-guerra na Itália, de como o ser humano se comportava? para sobreviver. Se, durante a guerra, luta com bravura e dignidade pela vida, no pós-guerra, para sobreviver, se vende, trapaceia e vende até os filhos, para servir de objetos sexuais. O ser humano deixa de ser humano, deixa de ser um bicho que defende o filhote e/ou a manada e passa a ser a pior das coisas.
Digo a pior das coisas porque perde as características do humanismo. Vira uma coisa querendo sobreviver.
?Em seu?
Geopolítica da Fome, Josué de Castro escreve que, na "luta pela obtenção do pão-nosso-de-cada-dia", o homem, "este animal pretensiosamente superior"?, não obteve uma vitória decisiva na luta pela própria subsistência.
Como define Josué de Castro?, este animal que é pretensiosamente superior, não o é porque é egoísta e individualista. Luta pela sobrevivência de maneira individual, disputando privilégios com seu semelhante e?, se preciso, para manter os privilégios ou obter outros, mata o seu semelhante.
Quando no Brasil passou-se a construir um mínimo de igualdades de direitos, como o de comer, foi construído um golpe. Quando no horizonte foi visualizada a possibilidade de todos e todas, independente?mente da classe social, terem os mesmos direitos, sob a égide do combate ?à corrupção, os maiores corruptos da história do país deram um g?olpe de Estado.
Esses homens/bichos/coisas são vítimas desses golpistas. São vítimas do capitalismo, onde impera a lei do individualismo e do egoísmo. A lei do ter tudo a qualquer custo, mesmo que parte da população passe fome.
Até o golpe?, havia políticas públicas ativas de combate à fome. Não há mais. Em menos de dois anos?, Temer, seus apoiadores (PSDB, PMDB, PP, PTB, Solidariedade, PPS, PSC, PSL, PSD, et caterva) e os golpistas, entre quais os batedores de panelas, os que se vestiram de verde e amarelo, alguns juízes, e vários procuradores e ?policiais ?federais destruíram o Brasil e construíram a volta da fome, que estava de partida, entre os brasileiros.
Claro que não atuaram ?sozinhos?, tiveram o apoio da mídia (Rede Globo) e do capital internacional.
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