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Congresso em Foco
03/07/2008 | Atualizado às 12h29
Lúcio Lambranho
Enviado especial a Corrente (PI) e Avelino Lopes (PI)
Como se não bastasse o sofrimento causado pelo acidente rodoviário que deixou 65 feridos e 14 mortos entre trabalhadores que voltavam da Bahia para o Piauí após terem sido submetidos a condições análogas à de escravo, um advogado é acusado de lesar famílias de oito vítimas, sacando o seguro obrigatório e sumindo com o dinheiro.
Este é um dos dramas por trás da tragédia ocorrida há quase 13 anos no sertão baiano, revelada ontem pelo Congresso em Foco. Pelos depoimentos de parentes dos mortos, a fraude aconteceu apenas três dias após o acidente, ocorrido em Formosa do Rio Preto (BA), quando os trabalhadores retornavam aos seus municípios natais, Corrente e Avelino Lopes, ambos no sul do Piauí.
Israel Moreira de Azevedo, segundo a denúncia, aproveitou o luto e a boa-fé das famílias de oito mortos para conseguir assinaturas em procurações que lhe permitiram sacar R$ 5.081,79 em nome de cada uma das vítimas, cerca de R$ 40 mil no total. O advogado, ainda de acordo com a acusação, não entregou nada para os familiares, em luto desde outubro de 1995, data do acidente.
O Congresso em Foco teve acesso aos dados repassados ao promotor Carlos Machado, de Curimatá, cidade vizinha a Corrente. Sensibilizado com o caso que chocou os moradores da região, Machado tomou conhecimento da denúncia por meio do sargento da PM do Piauí Adilino Visgueira, voluntário na ajuda às famílias até hoje.
Denúncias em série
Segundo informações da Companhia de Seguros Aliança da Bahia, Israel sacou os seguros das seguintes pessoas mortas após a queda do caminhão na BR-135: João Bispo do Nascimento Filho, Osvaldo Rodrigues Costa, Solon Batista Pereira, José Augusto Neri Leite, Luzinete Pereira dos Santos, Aldemir Pereira da Rocha, Valci Pereira de Sousa e Gideon Damaceno de Souza.
A representação feita contra o advogado na Ordem dos Advogados do Brasil na Bahia (OAB-BA) também sustenta que Israel ameaçou os familiares que procuraram por ele atrás do dinheiro e de informações no seu escritório em Feira de Santana (BA). Capangas armados, segundo a denúncia, mantiveram as vítimas sob o medo até 2001, ano em que o processo foi instaurado na Secretária de Processos Ético-Disciplinares da OAB-BA.
Rosinete Pereira Nunes, filha da lavradora Luzinete Pereira dos Santos, única mulher entre os mortos no acidente, esteve no escritório de Israel e disse ter visto seguranças e que não foi recebida pelo advogado. De acordo com a denúncia, o local era cercado de um rígido esquema de segurança, com "paramilitares ostentando farto armamento". A história de Luzinete foi contada ontem pelo site que ouviu o seu marido, Norato Nunes (foto da capa).
Além das procurações que o advogado arrancou das oito famílias, documentos originais das vítimas também foram levados por Israel, segundo as vítimas. De acordo com a OAB-BA, o advogado está suspenso por infração disciplinar.
Advogado se diz vítima
O Congresso em Foco localizou Israel em São Paulo. Ligado à Igreja Batista, ele é o primeiro-secretário da União dos Profissionais Evangélicos do Direito. "Estou sendo vítima de uma armação. Isso não tem fundamento e só pode ser inveja", defendeu-se o advogado em entrevista por telefone ao site. Israel atribuiu a culpa pelo desvio dos benefícios das vítimas a Juraci Francisco dos Santos, que segundo ele, intermediou seus contatos com as famílias em Corrente .
"É realmente surpreendente essa informação. Nunca pensei que iria receber essa notícia", esquivou-se o advogado. Israel não sabe explicar como o dinheiro não chegou às mãos das famílias e garante que tudo foi acertado.
O advogado afirma não saber onde Juraci está, nem se foi ele quem ficou com o dinheiro. "Ele era um rábula, mas é difícil dar detalhes sobre o que aconteceu há tanto tempo", diz. Rábulas são pessoas que, mesmo sem terem formação em Direito, ganham a autorização da entidade de classe para exercer, em primeira instância, a proposição de ações em juízo.
Israel também nega ter feito as ameaças que as famílias dizem ter sofrido por capangas contratados por ele. "Isso não faz parte da minha personalidade", afirma.
Mesmo com a suspensão determinada pela OAB da Bahia, Israel continuou atuando livremente após a denúncia. Um dos casos em que ele atuou chamou a atenção da mídia. Trata-se de uma ação indenizatória por perdas e danos morais movida contra Marcelo Pereira Surcin, o Marcelinho Carioca, jogador de futebol. Ele representa os músicos da Divina Inspiração, banda de pagode gospel até então patrocinada pelo jogador.
Ao ser questionado sobre os motivos de sua suspensão, o advogado revelou que seria devido a um caso semelhante ao dos trabalhadores rurais do sul do Piauí. "É outra história que dizem que não entreguei o dinheiro. Vou protocolar amanhã o recurso e tudo será esclarecido", avisa.
Denúncia criminal engavetada
O caminhão Mercedez-Benz que levava para casa os catadores de feijão até Corrente (PI) tinha as placas BH-7103 e foi registrado em Leme (SP), a 1.559 quilômetros do local da tragédia.
Leme fica a 88 quilômetros de Paulínia (SP), sede da Galvani Fertilizantes, uma das rés no processo na Justiça do Trabalho e umas das responsáveis, na época, pela Fazenda Porto Alegre.
Registrada com apenas duas letras, a placa antiga não pode revelar o dono do caminhão. Pelo número do chassis, ao qual o site teve acesso, a informação poderia até aparecer, mas o caminhão foi excluído do sistema do Detran paulista no dia 21 de abril de 2005, dez anos após o acidente.
Informações sobre os donos do veículo são sigilosas. Questionada sobre o caso, a Galvani afirma que o caminhão não pertenceu à sua frota.
Na época, a informação seria facilmente confirmada, mas ficou sem constatação inclusive no processo criminal entregue à Justiça, um ano e oito meses depois das 14 mortes na BR-135.
A ação penal pública de 3 de junho de 1997 apenas classifica o veículo como de "propriedade não apurada". O detalhe mostra que a investigação da polícia baiana ignorou a informação.
Responsáveis
A responsabilidade sobrou então para o lado mais fraco. Para o capataz Pedro José Leite, o aliciador de mão-de-obra ilegal, o "gato" José Luiz Amorim dos Santos, e o motorista Pedro Gonçalves de Araújo. Os três foram denunciados por lesão corporal e homicídio culposos. O site tentou localizar os três por meio de telefones e endereços no interior da Bahia, mas não conseguiu contato com os acusados.
No único parágrafo em que cita o que foi apurado pelo inquérito policial, a promotoria informa que Pedro José e José Luiz determinaram a viagem, mas só "se "olvidaram" - isto é, se esqueceram, traduzindo do jargão jurídico - "da proibição legal de transportar pessoas em carrocerias de caminhão."
E também revela outro fato importante que poderia aumentar a responsabilidade das empresas, donas da fazenda e responsáveis pela manutenção do caminhão. Pedro Araújo, segundo a denúncia, percebeu "certo defeito na caixa de marcha", mas continuou a viagem.
Depoimentos dos agricultores não incluídos na ação também poderiam comprovar a mesma versão, como apurou o site durante os quatros dias que entrevistou as vítimas e pessoas envolvidas com o acidente. "Infelizmente o processo está lá empoeirado na vara Criminal da Formosa do Rio Preto", informa o advogado Francisco Carlos Feitosa Pereira, o Carlito, que acompanh
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