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Congresso em Foco
30/4/2011 7:00
Taí o recibo. Depositei 100 reais na conta da Igreja Mundial do Poder de Deus. A Igreja não recomenda menos de 50 reais (ou não aceita, a conferir).
Não me lembro se fiz o depósito antes ou depois de ter ido ao Sambódromo, no começo deste ano. O recibo, como vocês podem ver, data de 2/3/2011. Até hoje o escondi junto com dois micos: o primeiro de ter ido conferir ?in loco? o teatro do apóstolo Valdemiro Santiago (justo eu, que entro de graça nos teatros da Roosevelt, que vergonha...) e o segundo mico, pelo fato de continuar hipnotizado pela lábia de Valdemiro, que aqui vou chamar carinhosamente de Negão Chapeludo, mesmo depois do fiasco que presenciei.
Na ocasião, o ?apóstolo? me convenceu ? e a milhares de outros crédulos - de que se não depositássemos a grana naquela semana, as transmissões de tevê seriam impreterivelmente interrompidas. Acreditei nele. E até hoje, decorridos quase de três meses, o apóstolo faz a mesma ameaça (ou chantagem sentimental), e eu e milhares de crédulos no Brasil e no mundo inteiro continuamos acreditamos nele.
Não tem jeito. Gosto muito do show do Negão Chapeludo. Sem dúvida nenhuma, Valdemiro Santiago, hoje, é o maior comunicador da televisão brasileira. O ?apóstolo? conseguiu tirar ?cenzão? do meu bolso. Isso realmente é impressionante. Só para traçar um paralelo, há quarenta anos acompanho o dono do ex-banco Panamericano, desde a época em que ele puxava ostensivamente o saco dos militares até hoje quando resolveu puxar o saco do Dilmão (amor,revolução & cara de pau): confesso que sou admirador da desfaçatez e do oportunismo de Senor Abravanel, porém nunca comprei o Carnê do Baú.
Em apenas um mês ouvindo a pregação de Valdemiro Santiago ? vejam só ? fui induzido a depositar 100 reais na conta da Igreja Mundial do Poder de Deus; e o mais grave, pela primeira vez, em muito tempo, me privei de gastar essa quantia na sessão quinzenal de massagem tântrica. A liturgia ou a putaria. Optei pela putaria do Negão Chapeludo.
O que aconteceu?
Um cego esfregava desesperamente os olhos ao meu lado e não voltou a enxergar. O velhinho, logo à minha esquerda, tentava em vão e igualmente desesperado se levantar da cadeira de rodas, e neca de pitibiribas. Por que o fiasco?
Teria faltado fé para mim e para o cego que esfregava os olhos ao meu lado e permanecia no breu espiritual porque, apesar das ordens do apóstolo, continuava cego? O velhinho que tentava em vão se levantar da cadeira de rodas, também seria outro canalha espiritual porque insistia na sua decrepitude?
Enquanto isso, na arquibancada do Sambódromo, cadeiras de rodas voavam, cegos enxergavam e os milagres pipocavam aos borbotões. Eu pedia a Deus para ver um mísero caroço murchar - para mim já seria o suficiente (impressionante como esses pobres coitados têm ?caroços? incrustados no corpo e na alma..), ah, um milagrezinho qualquer, juro pelo apóstolo Valdemiro, eu pedi compungido, me arrependi dos meus pecados, dos que havia cometido e dos que viriam na sequencia, eu juro que tudo o que eu queria na vida era me prostrar e me converter ao evangelho do Valdemiro.
O Sambódromo seria minha Damasco,estava tudo ali, o simbolismo todo trabalhava a favor. O templo do samba e as linhas profanas-marxistas de Niemayer transformados em palco da breguice milagrosa e chapeluda. Ah,eu trocaria todos os meus doze livros por um testemunho de fé. Iria converter meus amigos, percorreria a noite gelada e levaria Jesus pra jogar sinuca e comer um coração de galinha no Biru?s Bar. Iria pregar o evangelho para os malucos. Nunca mais massagem tântrica, nunca mais uísque batizado, nem sexo sem amor. Nunca mais drinque no dancing. Eu abandonaria a literatura, e usaria meu dom para escrever livros espíritas, segundo o evangelho de Valdemiro Chapeludo. Porque eu sempre desconfiei da peruca do Chico Xavier e do seu jeito efeminado, mas sempre acreditei no sobrenatural, em dons.
Ora, eu já havia depositado cenzão (havia pago meu ingresso pro Valdemiro, uma inteira!) ah, meu Deus, bastaria o velhinho aleijado levantar-se da cadeira de rodas. Vai velho filho de uma puta, levanta dessa porra! Vamos gritar o nome de Deus para os infiéis. Eles precisam se converter, precisam se ligar que o apocalipse está na cara deles, será que são mais cegos que aquele cego filho da puta que teimava, ali, logo ao lado do velhinho paralítico, em esfregar areia nos olhos e não aceitar Jesus? Vai, cego filho de uma puta, abra a porra dos olhos, veja os milagres que eu não consigo enxergar, converta-se!
E nada, nada. Os milagres só aconteciam no altar do Apóstolo Valdemiro e do outro lado da arquibancada, bem longe dos meus parceiros de ignomínia, cegos e aleijados.
No programa de televisão, Valdemiro interpretou aquela famosa passagem da bíblia onde o diabo oferece o paraíso para o filho de Deus. Segundo a leitura dele,o Indigitado distorce as palavras do livro sagrado para provocar Jesus, pobre Jesus Cristo feito de carne, há quarenta dias e quarenta noites isolado no deserto. Desde os meus tempos no colégio adventista, desde a época em que fui expulso do mesmo colégio e que logo em seguida abandonei o catecismo e troquei a comunhão pelas coxas das garotas que - também e aliás - nunca me facilitaram o paraíso, eu pensei que conhecia essa passagem bíblica de cor e salteado. Mas nunca a ouvi de forma tão clara, pungente e convincente. Só mesmo o apóstolo Valdemiro Santiago para me chamar atenção prum detalhe que não é um detalhe e que faz toda a diferença (isso vale muito mais do que 100 reais). Eu nunca tinha atentado para a ?edição? do diabo. O pé-quebrado cita a bíblia, e omite o que lhe convém. Um trecho sagrado é suprimido a fim de convencer Jesus de sua proposta indecente. Quem diria, o diabo, pai do jornalismo mauricinho. Tá lá em Mateus e Lucas. Basta dizer que a proposta do ?editor? foi recusada malandramente pelo filho de Deus, que conhecia o texto antes mesmo de ser escrito e optou pela cruz e optou em favor do cego que continuava cego e do velhinho que continuava entrevado na cadeira de rodas, optou a meu favor também, apesar das curas e maravilhas proclamadas pelo apóstolo Valdemiro Santiago ? em nome dele! ? lá no altar do Sambódromo.
Teve uma hora que acreditei que estava atrapalhando os milagres de Jesus Cristo, e me retirei. Saí envergonhado da Cidade do Samba, juro por Deus. Envergonhado porque continuava acreditando em milagres, e envergonhado por ter depositado cem reais na conta da Igreja Mundial do Poder de Deus, envergonhado porque queria ter sido enganado e não consegui, deve ter me faltado fé.
Logo eu, que sempre fui tão carola. Sempre tão crédulo. Eu que passei a vida inteira sendo enganado. Eu que fiz questão disso, aliás.
Agora me encontro aqui nessa encruzilhada. Quero acreditar em milagres, porém não consigo ser passado para trás. Logo eu que percorri todo um calvário, desde Epicuro até Raul Seixas, e agora cheguei aqui: nesse ponto em que não consigo mais acreditar nem no diabo. Eu que acreditei nas mulheres e achei que o amor gratuito não pedia nada em troca, logo eu que depois de ter sido expulso da minha própria solidão, descobri que nem a solidão é tão pungente assim se você não conseguir se livrar de si mesmo (parece óbvio, né?). Ah, se eu pudesse voltar a solidão dos meus trinta anos, se eu conseguisse voltar a Piazzola e ao Verão de 42, mas não consigo, não dá, não acredito. Às vezes, Jorge Luis Borges me engana... mas não o suficiente. Hoje, com franqueza, o máximo que consigo depois dos porres de uísque falsificado é dar uma ressuscitadinha no dia seguinte. Uma atividade modesta, eu diria. Diante do tamanho do vazio que me abocanha,é quase nada.
Portanto, a essa altura do campeonato, o que eu poderia pedir a Deus senão o engano, a fraude e o estelionato?
Com toda a sinceridade, eu me sentiria muito frustrado se o programa do Negão Chapeludo saísse do ar, me engana Valdemiro, porque eu jamais gastaria meu dinheirinho safado na Ong de um Bono Vox, me engana porque você é legitimo e verdadeiro instrumento de Deus, porque só você tem essa autoridade, porra Valdemiro!, me engana que eu preciso ser enganado pela última vez, me passa para trás porque também sou filho de Deus, porra, amém.
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