[caption id="attachment_201910" align="alignleft" width="285" caption="Plenário esvaziou no transcorrer da noite e prejudicou planos do governo"]

[fotografo]Ana Volpe/Agência Senado[/fotografo][/caption]Uma debandada de membros da base aliada no Senado inviabilizou a votação do Projeto de Lei do Senado (PLS)
298/2015, que dispõe sobre a repatriação de dinheiro remetido ao exterior sem a devida declaração à Receita Federal. Considerada essencial pela equipe econômica do governo, por captar mais recursos úteis tanto para o ajuste fiscal quanto para os esforços do pacto federativo, a matéria deixou de ser votada por falta de quórum, e corria o risco de ser rejeitada em Plenário caso fosse a votação - a oposição, contrária ao texto, estava mais mobilizada do que o governo. O Ministério da Fazenda calcula que o total não declarado no exterior chegue a US$ 200 bilhões, dez vezes mais do que o governo espera amealhar com as medidas do ajuste.
Como este
site mostrou na última sexta-feira (10), o projeto compõe a série de
medidas legislativas destinadas a pôr fim à guerra fiscal e assegurar equilíbrio à unificação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) - com o reforço de caixa, o governo teria mais folga orçamentária e, por isso, poderia ajudar a promover o já mencionado pacto federativo. Durante as movimentações desta quarta-feira (15), o vice-presidente da República, Michel Temer, e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, foram pessoalmente ao Congresso tentar convencer senadores a respeito da pertinência da proposição. Como argumento central, os representantes do governo argumentaram que o ano será de contexto econômico conturbado e com obstáculos na obtenção da meta fiscal. Mas o périplo do Executivo ao Parlamento não surtiu efeito.
Um requerimento de urgência para a votação chegou a ser apresentado, possibilitando que oposicionistas derrubassem o projeto no voto. Mas o líder do PT no Senado,
Humberto Costa (PE), pediu verificação de quórum de votação e, diante do esvaziamento do Plenário, conseguiu adiar a deliberação, provocando o encerramento da sessão plenária. Os trabalhos serão retomados nesta quinta-feira (16), a partir das 11h30, para a finalização dos projetos de reforma política pendentes de apreciação.
Antes disso, houve requerimento para que a matéria fosse apensada a outra, já pronta para votação em Plenário, o que permitiria acelerar a tramitação do PLS 298 e votá-lo até esta quinta-feira. Nada feito: registrou-se a presença de apenas 35 dos 41 senadores necessários para que a deliberação pudesse ser iniciada. Um dos governistas ausentes foi o líder do governo no Congresso, José Pimentel (PT-CE).
Na tentativa de mobilizar a base, líderes governistas pediram e o presidente do Senado,
Renan Calheiros (PMDB-AL), concedeu um tempo extra de 15 minutos para que senadores comparecessem à votação. Diversos deles, no entanto, já haviam deixado a Casa e não deram retorno aos telefonemas que partiam do Plenário. Mesmo que os requerimentos de urgência e apensamento sejam aprovados nesta quinta-feira, um prazo regimental de ao menos duas sessões plenárias deve ser respeitado, inviabilizando essa votação ainda neste semestre - o Congresso entra em recesso nesta sexta-feira (17), e só retoma o funcionamento em 1º de agosto.
"Foi mais uma desarticulação nossa, dos líderes. Vários partidos deixaram de ter os parlamentares presentes, e não se tratava de posição contrária ao que estava sendo votado. Mas, simplesmente, porque nós não nos mobilizamos. Muita gente achou que ia terminar só com a votação da reforma política", resignou-se
Humberto Costa, para quem a discussão deve ficar mesmo para agosto, e não mais para o esforço concentrado pré-recesso.
O projeto
De autoria do senador
Randolfe Rodrigues (Psol-AP), a proposição pretende que apenas os recursos de origem lícita possam ser regularizados, mediante pagamento de multa e devido recolhimento de tributos ao Fisco. Para legalizar o dinheiro, seu dono pagaria 17,5% de imposto de renda e igual taxa de multa, resultando em uma retenção de 35% do valor total. Para evitar o risco de inconstitucionalidade do texto, senadores têm consultado órgãos e instituições do governo, como o Ministério da Justiça.
Ideia surgida nas investigações da CPI do HSBC, que investiga a ocorrência de evasão fiscal por meio de correntistas do banco suíço, o projeto estabelece ainda que o proprietário de determinado montante pode optar por mantê-lo no exterior, mas terá de comunicar seu registro à Receita Federal. Paralelamente à proposição, espera votação a proposta de emenda à Constituição (PEC) desvinculando parte das receitas da repatriação dos cofres da União em favor do fundo de compensação que ajudará nas perdas de estados em decorrência da unificação de ICMS, que impactará estados exportadores.
A votação da matéria se fazia necessária não só para ajudar a compor os fundos de compensação para as perdas decorrentes do ICMS, mas também para o cumprimento da meta fiscal. A unificação do imposto em 4%, de maneira equacionada, só será possível quando houver acordo entre senadores a respeito desses prejuízos e da convalidação dos benefícios fiscais já concedidos. Com o adiamento da votação, sobra cada vez menos tempo para que os cofres do governo possam contar com os valores da repatriação.
O senador Randolfe disse ao
Congresso em Foco que a não votação do projeto reflete não só a "descoordenação" do governo, mas um "conjunto de incoerências" entre os parlamentares. "Há uma irresponsabilidade de alguns setores da oposição. Agora, essa matéria é a primeira experiência de imposto sobre grandes fortunas no Brasil - repatria de 30 a 100 bilhões de reais de ricos que estão com dinheiro lá fora. Ou seja, é uma matéria para o Brasil, que faz a unificação da alíquota [de ICMS]", argumentou o parlamentar amapaense.
Lembrando ter votado contra o ajuste fiscal "que taxou o trabalhador", Randolfe diz que a oposição aposta no "quanto pior, melhor". "Os mesmos setores que rejeitaram esse projeto e falam de rigor nas contas públicas aprovaram um projeto criando mais de 400 municípios hoje, de autoria de um senador do PSDB", acrescentou Randolfe, referindo-se ao
projeto "irresponsável" do colega paraense Flexa Ribeiro, apreciado mais cedo.
Líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB) discorda de Randolfe e alertou para a possibilidade de legalização, por meio do projeto, de recursos de origem criminosa. "Não é tolerável que, diante da dificuldade de caixa do governo federal, você admita que narcotraficantes legalizem dinheiro, pagando 35% de imposto, e tragam recursos para o país. A lei, da forma como está posta, exige uma autodeclaração do titular da conta. A Receita, tal qual acontece com o Imposto de Renda, tem o poder de fiscalizar depois, mas, depois que for feita a fiscalização, o dinheiro do narcotráfico já entrou e já financiou a bandidagem", contraditou o tucano.
Mais sobre pacto federativo
Mais sobre crise na base
Mais sobre crise econômica