Rita Biason *
No mês de fevereiro, a Comissão Europeia divulgou o primeiro relatório sobre a
corrupção nos Estados Membros. O informe apresentado trouxe à tona o espectro da corrupção que inúmeros cidadãos europeus ignoravam ou supunham que, por estarem vivendo em países ricos, não conviveriam com o problema. O dado mais alarmante é que a corrupção afeta a todos os países da União Europeia (UE) com um custo estimado em 120 bilhões de euros ao ano.
O informe pode ser dividido em duas partes: uma primeira refere-se à percepção da população em relação a corrupção nos seus respectivos países; e a segunda diz respeito a
Business e corrupção, ou seja, relação setor privado e administração pública.
Na primeira parte, a mesma pergunta foi aplicada em 27 países, totalizando 26.786 entrevistados. Selecionamos apenas sete países com situação econômica e institucional distintas, mas que traduzem o panorama geral na União Europeia.
Inicialmente se pediu para o entrevistado avaliar "Em que medida o problema da corrupção é comum em nosso país?" e sintetizamos o estado geral da corrupção em alguns desses países:
País |
Muito comum |
Algo
comum |
Muito
raro |
Total entrevistados |
Portugal |
55% |
35% |
1% |
1026 |
Espanha |
65% |
30% |
1% |
1006 |
Itália |
58% |
39% |
0% |
1020 |
França |
49% |
19% |
3% |
1058 |
Alemanha |
43% |
26% |
7% |
1545 |
Reino Unido |
38% |
26% |
7% |
1308 |
Áustria |
53% |
24% |
4% |
1052 |
Fonte: http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/eb_special_399_380_en.htm
Uma outra questão apresentada aos entrevistados foi : "Nos últimos
três anos, diria que o nível de corrupção em nosso país...?" e destacamos os extremos dentre os quatro intervalos apresentados:
País |
Aumentou |
Diminuiu |
Portugal |
72% |
3% |
Espanha |
77% |
1% |
Itália |
74% |
2% |
França |
51% |
3% |
Alemanha |
45% |
5% |
Reino Unido |
59% |
2% |
Áustria |
44% |
11% |
Fonte: http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/eb_special_399_380_en.htm
Sobre as Instituições, a pergunta realizada foi "Existe corrupção nas Instituições Públicas Nacionais?" e o entrevistado deveria dizer se concordava ou não com a assertiva:
País |
Concorda Totalmente |
Tende a Concordar |
Tende a Discordar |
Portugal |
37% |
49% |
4% |
Espanha |
68% |
27% |
2% |
Itália |
56% |
37% |
3% |
França |
26% |
50% |
12% |
Alemanha |
22% |
52% |
15% |
Reino Unido |
21% |
51% |
13% |
Áustria |
27% |
46% |
16% |
Fonte: http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/eb_special_399_380_en.htm
E decorrente da pergunta anterior, o entrevistado deveria apontar onde o abuso de poder e o suborno eram mais recorrentes nas instituições, destacamos as três instituições dentre as 15 estipuladas na pesquisa:
País |
Partidos políticos |
Políticos em nível nacional, regional ou local |
Bancos ou instituições financeiras |
Portugal |
59% |
59% |
47% |
Espanha |
84% |
72% |
62% |
Itália |
68% |
63% |
40% |
França |
70% |
58% |
34% |
Alemanha |
51% |
49% |
38% |
Reino Unido |
56% |
55% |
47% |
Áustria |
60% |
59% |
29% |
Fonte: http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/eb_special_399_380_en.htm
A amplitude de informações na primeira parte permitiria redigir uma tese de doutorado, mas esta pequena amostra dá-nos uma idéia de como os cidadãos têm percebido a corrupção e podemos dizer que não é muito positiva. Em geral, a percepção de aumento da corrupção recai sobre a maioria dos países, 76% em toda UE, sendo exceção aqueles que tradicionalmente apresentam bons indicadores como: Dinamarca, Suécia, Finlândia. Esses países sempre aparecem no
Corruption Perceptions Index- CPI como os menos corruptos, portanto não há novidade. A novidade reside sobre a França, a Alemanha, o Reino Unido e o Áustria, por exemplo, apresentarem índices negativos em relação à percepção da corrupção.
Outro aspecto diz respeito aos altos índices de desconfiança nas instituições como partidos, políticos e instituições financeiras, por do abuso de poder e suborno. Nos sete países que elencamos na amostra é possível afirmar que, nesse item, a corrupção tem similaridade com o que encontramos nas pesquisas do
Latinobarômetro que destaca, há vários anos, as mesmas instituições como as menos confiáveis.
A segunda parte do relatório refere-se aos negócios e às barreiras que as empresas encontram nos países dos entrevistados. Dentre as nove variáveis apresentadas, a corrupção é apontada como um problema muito grave para a empresa "quando faz negócios". A seguir destacamos o percentual e a posição que ocupa:
País |
Corrupção |
Portugal |
3º lugar- 39% |
Espanha |
4º lugar- 38% |
Itália |
7 º lugar - 33% |
França |
6º lugar - 36% |
Alemanha |
6º lugar - 10% |
Reino Unido |
5º lugar -7% |
Áustria |
4º lugar -16% |
Fonte: http://ec.europa.eu/public_opinion/archives/eb_special_399_380_en.htm
Obviamente que os países que sofrem com a crise econômica como Espanha, Itália e Portugal, tornam-se mais sensíveis à temática do mau uso do dinheiro público e aos privilégios que os políticos e partidos estão usufruindo. A novidade são países que não estão no mesmo quadro de crise se manifestarem intolerantes a esse tipo de prática.
O que fazer para coibir a corrupção e os recursos que se perdem em meio um complexo sistema de administração pública fragmentada em por distintas dimensões: nacional, regional, local e da UE? A orientação vem em torno do fortalecimento de quatro eixos: mecanismos de controle; investigação e punição; dimensão política; e áreas de risco.
Para os mecanismos de controle, sugere-se o uso de políticas preventivas, fortalecimento dos mecanismos de controle externo e interno e sanções aos conflitos de interesse. No eixo investigação e punição, propõe-se a criação de leis que criminalizem as práticas ilícitas e maior rigor nas punições. Na dimensão política, recomenda-se sanções ao financiamento ilegal de partidos políticos e definição de políticas de
accountability. Por último, para as áreas de risco, aconselha-se a um melhor controle de contratos públicos com alta vulnerabilidade principalmente no setor de construção e de saúde.
Se as recomendações e os dados acima nos são familiares, o resultado positivo que a UE obterá nos próximos anos deve-se a quatro fatores: inicialmente a crise econômica que coloca uma pressão adicional ao problema da corrupção; segundo, a UE tem como impor sanções aos Estados Membros para que promovam uma política de transparência e boa governança permitindo controlar a corrupção; terceiro, os cidadãos de países onde a corrupção é mais evidente, como Espanha e Itália, esperam uma resposta imediata por parte da UE; e finalmente, a presença do
Greco (
Group of States Against Corruption), que monitora, avalia e acompanha todos os Estados Membros para saber quais são os instrumentos legais existentes e os que precisam ser incorporados aos países da UE para ampliar o controle da corrupção.
Em suma, a necessidade e a vontade de mudar acrescida de maturidade política da UE permitirá que rapidamente se controle a corrupção. É uma formula razoavelmente simples que, desafortunadamente, o Brasil e os países da América Latina não aprenderam equacionar.
*É cientista política e coordenadora do Centro de Estudos e Pesquisas sobre Corrupção na UNESP, Câmpus de Franca (SP). E-mail: [email protected].
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