Deysi Cioccari *
1- Introdução
Os campos de batalha modernos sa~o mais extensos do que os campos de batalha antigos, o que obriga ao estudo de um maior campo de batalha. E´ preciso muito mais experie^ncia e ge^nio militar para comandar um exe´rcito moderno do que era preciso para comandar um exe´rcito antigo (BONAPARTE, 2010: 126)
Um número substancial de famosos decidem abandonar os holofotes para concorrer a cargos públicos. Atores, jogadores de futebol, cantores e ex-participantes de reality shows fazem parte da extensa lista, mas são poucos os que conseguem uma votação expressiva o suficiente para assumir o cargo que pleiteiam.
O Congresso Nacional eleito para a legislatura 2015-2019 surpreendeu pelos vários representantes do entretenimento e do lazer, personagens sem uma trajetória política no legislativo mas com trajetória na televisão e no rádio.
Nosso trabalho pretende abordar como alguns desses personagens valem-se da sua imagem não relacionada ao histórico político e entram na vida pública, muitas vezes, com uma representatividade maior que políticos de longa carreira. O que se percebe é a construção de um grande espetáculo onde a imagem predomina em relação ao discurso.
De acordo com Guy Debord (1997), a construc¸a~o do espeta´culo e´ uma forma de separac¸a~o, alienac¸a~o e dominac¸a~o na sociedade para produzir uma falsa conscie^ncia de existir, na tentativa de se criar a ideia de uma sociedade unificada. Nesta configurac¸a~o social, o espeta´culo e´ uma espe´cie de "catalisador" da dominac¸a~o. Tal alterac¸a~o se estabeleceu ainda na e´poca da Revoluc¸a~o Industrial, quando as relac¸o~es de trabalho se alteraram com a necessidade de uma produc¸a~o em massa que modificou a vida social. A mercadoria foi o produto dessa alterac¸a~o. A produc¸a~o de material excedente e a constituic¸a~o progressiva da classe trabalhadora como consumidora alteraram as realizac¸o~es humanas, que deixaram o universo do ser para o do ter. Com a vida social totalmente envolvida pelos resultados acumulados da economia, o ter evoluiu para o aparecer, concretizando-se no presti´gio imediato sua func¸a~o principal. Nesta "sociedade do espeta´culo", a transformac¸a~o do ser em ter se alterou por um aspecto inerente a` mercadoria, o fetiche:
O princi´pio do fetiche da mercadoria, a dominac¸a~o da sociedade por 'coisas suprassensi´veis embora sensi´veis', se realiza completamente no espeta´culo, no qual o mundo sensi´vel e´ substitui´do por uma selec¸a~o de imagens que existe acima dele, e que ao mesmo tempo se faz reconhecer como o sensi´vel por excele^ncia. (DEBORD, 1997, p. 28).
Wolfgang Haug (1996) ressalta que ha´ um domi´nio sobre as pessoas exercido pelo fasci´nio das apare^ncias artificiais. Esse fasci´nio, o vemos comumente a servic¸o do domi´niopoli´tico, quando os poli´ticos leem nos olhos do outro seu desejo e assim se apresentam. "A apare^ncia na qual cai´mos e´ como um espelho, onde o desejo se ve^ e se reconhece como objetivo" (HAUG, 1996, p. 77). Pore´m, a coere^ncia na imagem do ator poli´tico e´ importante, caso contra´rio o eleitor na~o se identificara´ com o que ve^. Para Roger-GerardSchwartzenberg (1978, p. 4-5) afirma que "muitos dirigentes sa~o prisioneiros da sua pro´pria imagem. (...) O homem poli´tico deve, portanto, concordar em desempenhar de uma maneira duradoura o personagem em cuja pele se meteu".
Nesse sentido, nosso trabalho pretende analisar os seguintes candidatos que se encaixam nessa perspectiva da sociedade do espetáculo:
Celso Russomanno (PRB), eleito com 1.524.361 votos,
Tiririca (PR), eleito com 1.016.796 votos,
Romário (PSB) com 4.683.963 votos e Sérgio Reis (PRB) com 45.330 votos.
2-
Poder, política e espetáculo
A espetacularizac¸a~o na poli´tica cerceada pela personalizac¸a~o de candidatos na~o constitui feno^meno recente. A pra´tica e´ recorrente a li´deres, reis, imperadores das mais remotas atuac¸o~es ao longo da histo´ria, mas desde o se´culo passado e´ impossi´vel ignorar as transformac¸o~es advindas da onipresenc¸a dos vei´culos de comunicac¸a~o de massa.Do outro lado vemos um receptor distante das deciso~es do poder e, em grande maioria, com baixo grau de sofisticac¸a~opoli´tica que encontra no espaço midiático a forma mais fácil de se informar.
Não obstante, o esforc¸o do ator poli´tico em construir uma imagem se da´ por dois motivos: para ser consolidado um "si´mbolo visi´vel e tangi´vel" que atraia a atenc¸a~o do cidada~o e para que a imagem seja usada como ro´tulo do "produto ou marca poli´ticos, de modo que na~o e´ exagerado falar em imagem da marca" (KLEIN, 2001, p.46). Os slogans e os logotipos de candidatos poli´ticos em campanhas eleitorais sa~o exemplos de como ajudar os cidada~os a identifica´-los como produtos. Schwartzenberg afirma que "o 'palco poli´tico', que e´ realmente um palco para estabelecer uma relac¸a~o face a face teatral com o pu´blico. (...) Este fazedor de espeta´culo e´ igualmente um provador de sonhos" (1977,p. 14-15). Um exemplo bem claro é o palhaço e deputado federal reeleito
Tiririca, que utilizando da descrença do eleitor brasileiro na política cria o slogan "
Vote Tiririca, pior que tá não fica".
[caption id="attachment_193076" align="aligncenter" width="300" caption="Fig 1: Slogan da campanha para deputado federal de
Tiririca"]
Tiririca.png">
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Tiririca" src="https://static.congressoemfoco.com.br/2015/04/
Tiririca-300x192.png" alt="" width="300" height="192" />[/caption]
O conceito de "sociedade do espetáculo" não deve, pois, ser entendido como uma mera referência aos meios de comunicação de massa, que Debord considera como "o aspecto restrito" do espetáculo, sua "manifestação superficial mais esmagadora
". Essa manifestação, todavia, faz parte da totalidade e é a mais espetacular e, por isso, parece invadir a sociedade como "instrumentação que convém a seu automovimento total" (1997,p
. 24).
A vitrine do espetáculo, sua face mais visível, seu monólogo ininterrupto e auto-elogioso, é composta por esse complexo sistema de mídias que Debord pressentia como modelo socialmente dominante, como "afirmação onipresente
"da lógica da produção industrial e do consumo de massa,
"presença permanente
" das justificações do sistema ocupando o tempo livre do indivíduo, das mais variadas formas de produtos espetaculares: informação, lazer, publicidade (1997, p. 6).
Outro candidato de nossa análise é
Celso Russomanno, que teve a maior votação de São Paulo entre os deputados federais eleitos. Foi eleitodeputado federal em 1994 pela primeira vez e em outras três oportunidades. Foi candidato à prefeitura de São Paulo em 2012
[2] mas se notabilizou por suas aparições na televisão. Participou de programas como o
Aqui Agora, Cidade Alerta e em 2014 retornou ao
Programa da Tarde.Na sociedade contempora^nea, governar e exibir os feitos se torna comum para promover os servic¸os e também promover o benfeitor. Na era do espeta´culo, o capitalismo aliado ao poder image´tico derrotou as ideologias dando poder à publicidade.
Quando a ideologia, que e´ a vontade abstrata do universal e sua ilusa~o, se encontra legitimada na sociedade moderna pela abstrac¸a~o universal e pela ditadura efetiva da ilusa~o, ela ja´ na~o e´ a luta voluntarista do parcelar, mas seu triunfo. Assim, a pretensa~oideolo´gica adquire uma espe´cie de cha~ exatida~o positivista: ja´ na~o e´ uma escolha histo´rica, mas uma evide^ncia. Numa afirmac¸a~o dessas, os nomes especi´ficos das ideologias sumiram. Ate´ a parte do trabalho propriamente ideolo´gico a servic¸o do sistema ja´ na~o se concebe sena~o como reconhecimento de uma "base epistemolo´gica" que se pretende ale´m de qualquer feno^menoideolo´gico. A ideologia materializada na~o tem nome, como tambe´mna~o tem programa histo´ricoenuncia´vel. Isso equivale a dizer que a histo´ria das ideologias acabou. (DEBORD, 1997, p. 131-138).
Gabriel Nascimento (2012) afirma que a publicidade tem mostrado sua capacidade de vender melhor produtos conceituados:
mas tambe´m apresentar ao pu´blico produtos sem conteu´do. Como poli´ticossa~o produtos, sobretudo em uma sociedade mercantilizada, ha´ o marketing poli´tico: ac¸o~es baseadas em fundamentos de publicidade, comunicac¸a~o e marketing voltadas para o ramo poli´tico. O devir-falsificac¸a~o e´ capaz de transformar, em campanhas e ate´ mesmo no jornalismo, um agente poli´tico incompetente num grande benfeitor, ou um homem de curri´culorespeita´vel no maior vila~o da histo´ria de seu pai´s. (p.14)
Tiririca foi o deputado federal mais votado na eleição de 2014, renovando sua cadeira na Câmara Federal. Antes disso, ficou conhecido no Brasil inteiro como palhaço e cantor com diversas aparições na televisão. Mesmo como parlamentar, não deixou de lado sua personalidade de humorista, algo que apareceu bastante em seus programas eleitorais.De acordo com o site
Congresso em Foco[3]:
o palhaço famoso está dando visibilidade a uma categoria tradicionalmente ignorada pelo Estado e pela sociedade. As iniciativas de
Tiririca aplaudidas pelos circenses vão desde a apresentação de projetos de lei, passando pelo direcionamento de verba do orçamento para o setor, até a tentativa de reduzir a burocracia para o funcionamento dos espetáculos.
Para Schwartzenberg, existe para todos no´s a possibilidade de plena identificac¸a~o com esse homem do povo, sai´do das fileiras, com esse dirigente que veio da base, com esse
self-made-manque suscita a adesa~o por identidade". (1978, p.43-44). O palhaço ressignificado.
No espetáculo das mídias, as vedetes têm a função de viver e representar todos os aspectos importantes da vida dos quais os indivíduos reais estão separados, incapacitados de viver diretamente. "O espetáculo é o momento em que a mercadoria chega à ocupação total da vida social" (p. 32), ou seja, a lógica mercantil tomou conta de todas as dimensões da vida humana: "Neste ponto da `segunda revolução industrial', o consumo alienado torna-se para as massas um dever suplementar à produção alienada" (idem).
Celso Russomanno tornou-se famoso nos anos 90 apresentando no SBT um quadro no extinto programa Aqui Agora onde defendia os consumidores lesados por empresas de diversos setores. Mantém esse mesmo formato hoje na Rede Record no Programa da Tarde
[4], mesmo depois de ser eleito deputado. Na campanha para prefeito de São Paulo em 2012 permaneceu durante muito tempo em primeiro lugar nas pesquisas eleitorais e travou um embate religioso com ampla cobertura da mídia com o também candidato à prefeitura Jose Serra.
[caption id="attachment_193077" align="alignleft" width="191" caption="Fig 2: Jornal Folha de S. Paulo 8 set 2012."]
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[/caption]
Nascimento (2012) aborda o conceito do animal político midiático, utilizado pelo filósofo grego Aristóteles de Estagira (384 a.C - 322 a.C), discípulo de a Platãopara descrever a natureza do homem - um animal racional que fala e pensa (
zoonlogikon) - , em sua interação necessária na cidade-Estado (
pólis). O animal político aristotélico é um dos conceitos mais exaustivamente estudados na filosofia política e um dos argumentos fundamentais para a organização social e política. Utilizando esse conceito, Nascimento aponta para o fato de que oli´derpoli´tico para tirar melhor proveito das situac¸o~es procura de antema~o conhecer o terreno que pretende desbravar e/ou dominar, tanto que alguns adquirem concesso~es de ra´dio e TV ale´m de manter amizades com celebridades, jornalistas, atores de novela, magnatas da mi´dia e intelectuais.
Com o advento da Sociedade do Espeta´culo preconizada por DEBORD (1997), a imagem se torna mais relevante que o conteu´do, o que explica o fato de muitas pec¸as no tabuleiro serem oriundas da mi´dia, como alguns dos exemplos citados acima, dentre os quais ha´ aqueles com respaldo da cri´tica e de seus pares e outros vistos como pastiches por diversos setores, incluindo seus correligiona´rios. Esse feno^meno que parece trazer uma espe´cie de novo animal poli´tico ao habitat se espalha no mundo e encontra ressona^ncia em territo´rio brasileiro.
Tiririca (nome artístico do palhaço José Everardo Oliveira Silva) ficou conhecido no país inteiro como cantor, com a música Florentina, em 1996. Em todos os programas de televisão que aparecia, elevava os índices de audiência.
No dia 3 de outubro de 2010,
Tiririca tornou-se o Deputado Federal mais votado do Brasil das eleições deste ano, eleito pelo estado de São Paulo com 1.348.295 (6,35%) votos.Com o slogan "Você sabe o que um deputado faz?", o palhaço de circo debocha de si e dos outros congressistas. Especialistas afirmaram que tal fenômeno poderia ser explicado por voto de protesto
[5].Schwartzenberg (1977) explica que esse votos advém de debates vencidos mais pela vida pessoal do candidato e a forma com a qual se apresenta do que pelas ideias apresentadas e dados, o voto e´ irracional e se faz mais pelo emocional. São os votos dos eleitores-fãs.
Em 2014, o site
Congresso em Foco publica uma extensa entrevista com o deputado reeleito para a legislatura 2015-2019. A matéria aborda um aspecto interessante que talvez forneça uma explicação à reeleição estrondosa do palhaço:
Nem só de circo vive o deputado palhaço. Integrante de um Congresso em que 79% dos parlamentares concluíram o ensino superior,
Tiririca é o único que sabe apenas ler e escrever. Como ele, há 15 milhões de brasileiros, também analfabetos funcionais, e outros 15 milhões que nem isso são. O assunto incomoda o parlamentar: ele é autor de uma proposta que cria a Bolsa-Alfabetização, benefício a ser pago pelo governo por seis meses a analfabetos maiores de 18 anos matriculados na rede oficial de ensino. "Ele não tem conhecimento livresco, mas tem de causa. Ao mesmo tempo em que aprendeu rapidamente o papel do deputado,
Tiririca inventou o seu próprio papel de maneira muito inteligente. Serve de exemplo", avalia o cientista político Paulo Kramer. (CONGRESSO EM FOCO)
Na entrevista,
Tiririca confirma que não conhecia "nada de nada" do partido pelo qual foi reeleito, o PR. Em 4 de fevereiro de 2015, o comediante foi anunciado como novo integrante do elenco do programa "Pânico" (Band), que tenta se reformular para reverter os baixos índices de audiência
[6].
GianpetroMazzoleni e Winfried Schulz (1999) esclarecem que a poli´tica deixou de ser feita exclusivamente por poli´ticos e de ser uma atividade que se faz exclusivamente em espac¸os institucionais. Hoje, todos podem ser atores de comunicac¸a~o e da poli´tica. Se, de um lado, mais pessoas podem participar da agenda poli´tica, de outro, a poli´tica se reduz a entretenimento e espeta´culo.
As mensagens dos poli´ticos veiculadas por meios simples ou complexos, dentre as quais algumas uto´picas, com promessa de realizac¸o~es a curto prazo, podem atingir o eleitorado de tal maneira que, por meio de imagens e simbolos que afetam agressivamente a percepc¸a~o irracional, se formam os mitos poli´ticos com base numa relac¸a~o emocional do pu´blico com a mensagem poli´tica. (SCHWARTZENBERG, 1977, p. 259).
Romário de Souza Faria já teve seu nome envolvido em todo tipo de noticiário. Quando era jogador ativo da seleção brasileira de futebol era comum ver suas imagens em revistas de celebridades. Mesmo depois de eleitor senador , a vida pessoal do ex-jogador parece interessar tanto quanto a vida no parlamento.Seus namoros podem na~o influenciar dentro do jogo poli´tico entre os poderosos, mas podem mexer com os sentimentos do eleitorado, conferindo sensac¸a~o de intimidade ou projec¸a~o de desejos conclui´dos pelo ator poli´tico (SCHWARTZENBERG, 1977, pp. 258 - 259).
[caption id="attachment_193078" align="alignleft" width="557" caption="Fig 3: Site Ego 31 jan 2015"]
Romário.png">
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Romário.png" alt="" width="557" height="187" />[/caption]
Romário foi eleito deputado federal em 2010 com 146.859 votos. Foi eleito senador pelo Estado do Rio com mais de 4,6 milhões de votos. Ele alcançou a marca de 63,4% do total de votos. Mostrou-se atuante. Contestou a Confederação Brasileira de Futebol envolvida em casos de corrupção. Defendeu o interesse dos pesquisadores e cientistas brasileiros e dos portadores de deficiência
[7]. Em entrevista ao site
Clicrbs[8] ele revela: quer ser prefeito do Rio de Janeiro em 2016.
Hoje em dia, o espeta´culo esta´ no poder. Na~o mais apenas na sociedade, ta~o enorme foi o avanc¸o deste mal. Hoje, nossas conjeturas ja´ na~ote^m como u´nico objeto as relac¸o~es do espeta´culo e da sociedade em geral, como as que tecia Guy Debord em 1967. Agora, e´ a superestrutura da sociedade, e´ o pro´prio Estado que se transforma em empresa teatral, em "Estado espeta´culo". De uma forma sistema´tica e organizada. Para melhor divertir e iludir o pu´blico de cidada~os. Para melhor distrair e desviar. E mais facilmente transformar a esfera poli´tica em cena lu´dica, em teatro de ilusa~o. (SCHWARTZENBERG, 1977, p. 9)
Outro político que veio do meio midiático é o cantor e compositor Sergio Reis. Também foi ator. Em 1982, fez sua primeira aparição em novelas, como o violeiro Diogo, em Paraíso (Globo). A próxima aventura na TV viria em 1990, com a novela Pantanal (Manchete), na qual vivia o caipira Tibério. Em seguida, participou de outro sucesso, Ana Raio e
Zé Trovão (Manchete, atualmente em exibição no SBT).Em 1996, fez dupla com o amigo Almir Sater, como o cantor sertanejo Zé Bento em O Rei do Gado (Globo). A parceria se repetiria 10 depois, em Bicho do Mato (Record). Sérgio Reis também participou da novela Canavial de Paixões (SBT/2004) interpretando a si mesmo."O mundo da poli´tica foi buscar no mundo do teatro a pra´tica do star system" (SCHWARTZENBERG, 1977, p. 15) Em entrevista a Edson Sardinha e Fábio Góis
[9], o novo parlamentar se diz "assustado" com o que viu na Câmara dos Deputados.
É um pouco assustador. É muita gente falando junto. Acho isso uma baita falta de respeito, cada um tem o direito de falar. Quer conversar? Vem aqui no boteco. É preciso ficar prestando uma maldita atenção nesse microfone, porque não se consegue ouvir ninguém falar. Às vezes, o deputado está falando uma coisa importante, e os caras estão ali na frente conversando, rindo, dando tapa nas costas. Isso pra mim não vale, não gosto disso. Não acho justo. Acho isso errado. (CONGRESSO EM FOCO, 2015)
Disse ainda, ao site do seu partido
[10] que ganha num único show o que ganha um parlamentar durante todo o mês. Minha missão será trabalhar por mais saúde, educação de qualidade e justiça social".
"Conheço o Brasil inteiro. Sei das principais dificuldades e sei que o povo quer muito mais. A classe política está desacreditada e nós, cidadãos de bem, temos que fazer alguma coisa. Chegou a hora de eu retribuir ao brasileiro todo carinho que recebi nesses mais de 50 anos de carreira", explica Sérgio Reis o motivo da candidatura.
"O hero´i e´ um showman, um homem de espeta´culo. Com ele,
leadership e
showmanship se confundem" (SCHWARTZENBERG, 1977, p. 23).
As figuras da esfera midia´tica, poli´tica e econo^micate^m suas interac¸o~es retratadas em diversos meios de comunicac¸a~o, sendo as colunas sociais um habitat para observa´-los. O star system de BENJAMIN (1975) mostra como tais personalidades acabam se enquadrando ou sendo postas em um sistema de ranking ou cadeia alimentar. "o mundo do espeta´culo e o da poli´ticava~o se entrosando cada vez mais" (SCHWARTZENBERG, 1977, p.160). O modo de vida das estrelas da poli´tica e da mi´diatambe´m e´ semelhante e se submetem a imposic¸o~espro´ximas diante do pu´blico, passam boa parte atuando ou dissimulando e envolvidas em comportamentos exibicionistas (SCHWARTZENBERG, 1977, p. 166).
Schwartzenberg (1978) define como o jogo do poder se encontra: "a política, outrora,
era ideias. Hoje, é de pessoas. Ou melhor, personagens". Dessa forma, tudo se apaga,propostas, partidos e reais interesses e necessidades coletivas, para que brilhe apenas o atorprincipal: o candidato. Então, o poder se humaniza e ganha uma face. A imagem exerce afunção de rótulo do poder, servindo de marca. E isso ajuda no processo de escolha, definindoo escolhido na hora do voto ou do apoio para suas decisões. Com o advento da televisão e dainternet, a difusão da imagem ganhou grande audiência, não podendo a atuação na política serfeita sem a cobertura da mídia porque, primeiro, é impossível fazer política ou manter eampliar o poder, sem o uso dos meios de comunicação; e segundo, a política e a arte têmcomo princípio a mercantilização, sendo este, talvez, o início da espetacularização na políticacomo conhecemos hoje. O espetáculo tornou-se ponto chave para a conquista ou amanutenção do poder. A mídia absorve a política quando o espetáculo se torna o ensejocrescente da sociedade. Mas voltemos a` mercadoria: depois que a sua superfi´cie se liberta, tornando-se uma segunda frequente e incomparavelmente mais perfeita que a primeira, ela se desprende completamente, descorporifica-se e corre pelo mundo inteiro como o espi´rito colorido da mercadoria, circulando sem amarras em todas as casas e abrindo caminho para a verdadeira circulac¸a~o de mercadorias. Ningue´m mais esta´ seguro contra os seus olhares amorosos. A intenc¸a~o de realizac¸a~olanc¸a-as com a apare^nciaabstrai´da e bastante aperfeic¸oada tecnicamente do valor de uso cheio de promessas, para os clientes em cuja carteira - ainda - se encontra o equivalente do valor de troca assim disfarc¸ado. (1977, p. 75).
3-
Considerações Finais:
A poli´tica, bem como os bens culturais a que Haug se referia, transformou-se em cultura do consumo perdendo toda a dista^nciacri´tica. "E´ produzida em base racionalizada e exploradora e para vendas em massa, exatamente como qualquer mercadoria; e e´ consumida no interior de relac¸o~es sociais alienadas" (HAUG, 1986, p. 120).
Os políticos analisados nesse trabalho têm em comum o fato de serem os animais políticos midiáticos a quem Aristóteles referia-se. Personagens conhecidos pela mídia, ou como prefiram, famosos, eles acumulam programas de televisão, novelas, recordes em venda de discos e fama internacional. Alguns confirmaram não conhecer o partido político que os elegeu. Christopher Lasch (1986) afirma que e´ o partido poli´tico comercializando a figura do homem poli´tico para consumo pu´blico. O poli´tico-produto apresentado ao eleitorado busca encontrar os anseios das massas ou o segmento-alvo que muitas vezes te^m base nas relac¸o~es de inseguranc¸a e narcisismo. Wolfgang Haug (1996), nesse sentido, explica que os atores poli´ticos tambe´m se tornam produtos e sua apare^ncia e´ o que nos e´ vendido: "A apare^ncia na qual cai´mos e´ como um espelho, onde o desejo se ve^ e se reconhece como objetivo" (p. 77). A poli´tica pode ser um divertimento para o pu´blico e para o li´der tambe´m, mas como um passatempo agrada´vel, fonte de distrac¸o~es ou ate´ mesmo para preencher o tempo de lazer (SCHWARTZENBERG, 1977, p. 298).
Russomanno travestiu-se de defensor do consumidor,
Tiririca, o palhaço que fez graça com o próprio cargo ao qual pleiteava,
Romário utilizou sua fama no futebol e Sergio Reis sua fama em rádios e novelas, todos, estreitaram o vínculo político-eleitor (produto-consumidor) para ganhar visibilidade, todos, com um nicho específico em vista.O poli´tico-produto apresentado ao eleitorado deve buscar encontrar os anseios das massas ou o segmento-alvo que muitas vezes te^m base nas relac¸o~es entre inseguranc¸a e narcisismo (LASCH, 1986) e apresentam o poli´tico como um hero´i.
Schwartzenberg (1978) define como o jogo do poder se encontra: "a poli´tica, outrora, era ideias. Hoje, e´ de pessoas. Ou melhor, personagens". Dessa forma, tudo se apaga, propostas, partidos e reais interesses e necessidades coletivas, para que brilhe apenas o ator principal: o candidato. Enta~o, o poder se humaniza e ganha uma face. A imagem exerce a func¸a~o de ro´tulo do poder, servindo de marca. E isso ajuda no processo de escolha, definindo o escolhido na hora do voto ou do apoio para suas deciso~es. Com o advento da televisa~o e da internet, a difusa~o da imagem ganhou grande audie^ncia, na~o podendo a atuac¸a~o na poli´tica ser feita sem a cobertura da mi´dia porque, primeiro, e´ impossi´vel fazer poli´tica ou manter e ampliar o poder, sem o uso dos meios de comunicac¸a~o; e segundo, a poli´tica e a arte te^m como princi´pio a mercantilizac¸a~o, sendo este, talvez, o ini´cio da espetacularizac¸a~o na poli´tica como conhecemos hoje. O espeta´culo tornou-se ponto chave para a conquista ou a manutenc¸a~o do poder. A mi´dia absorve a poli´tica quando o espeta´culo se torna o ensejo crescente da sociedade .
A marca transfere personalidade a quem dela se apropria, trata-se de um encontro de desejos, de uma cumplicidade entre o consumidor e "sua" marca. Esta relac¸a~o muitas vezes resulta em fidelidade a uma determinada marca, um resultado impli´cito no paradoxo de uma relac¸a~o que ao mesmo tempo em que causa identificac¸a~o, sugere tambe´m a possibilidade de "diferenciac¸a~o".
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* Doutoranda em Ciências Sociais. PUC/SP. Membro do grupo de pesquisa Comunicação e Política na Sociedade do Espetáculo e do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (NEAMP). E-mail: [email protected]
[2]Ver o trabalho "A construção do personagem político nas eleições de 2012", desta autora, onde há um relato sobre toda a campanha de Russomanno.
[4]O nome do quadro hoje é Patrulha do Consumidor.
[5]Disponível em: <
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[6]Disponível em: <
Tiririca-assina-contrato-com-o-panico-na-band.html">http://entretenimento.band.uol.com.br/tv/noticia/100000734537/
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[7]Disponível em: <
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[8]Disponível em: <
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