Salvador Bonomo *
Parece-me óbvio que cada geração tem o intransferível dever de legar melhores condições de vida à geração seguinte, e, da mesma forma, é dever irrefutável de todos os governantes municipais, estaduais e federais, que se sucedem, legarem melhores condições de existência aos governados, o que, infelizmente, não tem acontecido no Brasil.
Ao contrário, o que se constata é que os sucessivos legados dos nossos representantes são, quase sempre, mais defasados do que os recebidos, e corriqueiro é serem seguidos de graves acusações recíprocas entre sucessores e sucedidos, o que encarta ampla presença de mentalidade patrimonialista e consequente e profunda ausência de princípios republicanos.
As referidas situações permanentemente maculadas de condutas até delituosas, o que, em regra, ocorre pelo fato de elegermos nos três níveis de poder - municipal, estadual e federal - mais politiqueiros que estadistas. A diferença fundamental consiste no fato de que, enquanto os politiqueiros mal se elegem começam a pensar nas próximas eleições, os estadistas, ao contrário, mesmo antes de se elegerem, já se preocupam com as futuras gerações.
É regular, por exemplo que, no âmbito da poética, ainda que rotulada de
"Quadrilha", predomine temática fundada no Amor, enquanto, na esfera da Política (ou da politicagem!), acontece, com muita frequência, exatamente o contrário, conforme se infere da demonstração que segue.
Em 2003, Lula acusou FHC de lhe ter deixado
"herança maldita", embora viesse a adotar a mesma política econômica. FHC, por sua vez, também alegou que Lula deixou para Dilma
"herança maldita". Da mesma forma, constata-se que Dilma, também, deixa para Michel Temer
"maldita herança": grave crise moral, política e econômica, sem precedente!
Como síntese da citada crise, constam-se Produto Interno Bruto negativo (- 3,8% ao ano); dívida pública recorde, pois a maior dos últimos nove anos; desemprego enorme (11,1 milhões de pessoas); voraz inflação (chegou a 10,67%) e rombo fiscal (R$ 170 bilhões), além de descrédito interno e externo.
Sempre gostei de literatura, pelo quê cursei Letras. A sucessão de
"heranças malditas" nos três níveis de poder, ainda que por associação adversa de ideias, remete-me a bela "
Quadrilha", oposta às que integraram o
"mensalão" e o
"petrolão".
Refiro-me à
"Quadrilha" do saudoso poeta Carlos Drummond de Andrade:
"João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém".
Como no início de outubro próximo deverão realizar-se eleições municipais, imperioso será que nelas elejamos prefeitos e vereadores com postura de estadistas, em vez de elegermos os tradicionais politiqueiros, para, assim, evitarmos realidade semelhante à descrita no velho e lógico ditado popular:
"Da briga entre o mar e o rochedo, quem leva a pior é o marisco" - o povo.
Concluo, pregando, como uma espécie de mantra, tal qual o fiz alhures, que não basta sermos honestos e dizermos que somos honestos; é preciso, também, combater a desonestidade, sob pena de sermos coniventes com as ilicitudes, que, com frequência, ocorrem em torno de nós.
* Salvador Bonomo é ex-deputado estadual (do PMDB que enfrentou a ditadura) e promotor de justiça aposentado no Espírito Santo.
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