[caption id="attachment_245944" align="alignleft" width="285" caption=""Pode-se tentar calar o juiz, mas nunca se conseguiu, nem se conseguirá, calar a Justiça", diz Cármen Lúcia"]

[fotografo]Nelson Jr./STF[/fotografo][/caption]A presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, divulgaram notas nesta quarta-feira (30) com duras críticas à Câmara pela votação que
desfigurou o projeto com medidas de combate à corrupção idealizado pelo Ministério Público Federal. O recado mais duro foi dado por Cármen Lúcia. "Já se cassaram magistrados em tempos mais tristes. Pode-se tentar calar o juiz, mas nunca se conseguiu, nem se conseguirá, calar a Justiça", criticou. Para ela, os deputados tentam cassar a autonomia dos juízes e a independência do Judiciário.
Para Janot, a Câmara acabou com o pacote anticorrupção que recebeu o apoio de 2,4 milhões de brasileiros. "O Plenário da Câmara dos Deputados desperdiçou uma chance histórica de promover um salto qualitativo no processo civilizatório da sociedade brasileira", criticou. Considerada "intimidação" e "retaliação" por integrantes do Ministério Público e do Judiciário, a emenda que prevê o enquadramento em crime de abuso de autoridade para magistrados, promotores e procuradores teve amplo apoio dos deputados investigados na
Operação Lava Jato.
Entre os 27 deputados investigados na Lava Jato, 23 participaram da votação (
veja como cada um deles votou). Desses, apenas quatro votaram contra a emenda - Andrés Sanchez (PT-SP), Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP),
Afonso Hamm (PP-RS) e Jerônimo Georgen (PP-RS). Outros 19 (83% dos votantes sob investigação na operação) declararam voto a favor da nova possibilidade de punição a magistrados, procuradores e promotores.
Leia a íntegra da nota de Cármen Lúcia:
"A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, reafirma o seu integral respeito ao princípio da separação de poderes. Mas não pode deixar de lamentar que, em oportunidade de avanço legislativo para a defesa da ética pública, inclua-se, em proposta legislativa de iniciativa popular, texto que pode contrariar a independência do Poder Judiciário.
Hoje, os juízes respondem pelos seus atos, na forma do estatuto constitucional da magistratura.
A democracia depende de poderes fortes e independentes. O Judiciário é, por imposição constitucional, guarda da Constituição e garantidor da democracia. O Judiciário brasileiro vem cumprindo o seu papel. Já se cassaram magistrados em tempos mais tristes. Pode-se tentar calar o juiz, mas nunca se conseguiu, nem se conseguirá, calar a Justiça."
Leia a íntegra da nota de Janot, enviada de Hainan, na China, onde ele participa de reunião com procuradores-gerais dos Brics:
"Foram mais de dois milhões de assinaturas. Um apoio maciço da sociedade brasileira, que também por outros meios se manifestou. Houve o apoio de organismos internacionais. Foram centenas de horas de discussão, de esclarecimento e de um debate sadio em prol da democracia brasileira. Foram apresentadas propostas visando a um Brasil melhor para as futuras gerações.
No entanto, isso não foi o suficiente para que os deputados se sensibilizassem da importância das 10 Medidas de Combate à Corrupção. O resultado da votação do PL 4850/2016, ontem, colocou o país em marcha a ré no combate à corrupção. O Plenário da Câmara dos Deputados desperdiçou uma chance histórica de promover um salto qualitativo no processo civilizatório da sociedade brasileira.
A Casa optou por excluir diversos pontos chancelados pela Comissão Especial que analisou as propostas com afinco. Além de retirar a possibilidade de aprimorar o combate à corrupção - como a tipificação do crime de enriquecimento ilícito, mudanças na prescrição de crimes e facilitação do confisco de bens oriundos de corrupção -, houve a inclusão de proposta que coloca em risco o funcionamento do Ministério Público e do Poder Judiciário, a saber, a emenda que sujeita promotores e juízes à punição por crime de responsabilidade.
Ministério Público e Judiciário nem de longe podem ser responsabilizados pela grave crise ética por que passa o país. Encareço aos membros do Ministério Público Brasileiro que se mantenham concentrados no trabalho de combate à corrupção e ao crime. Que isso não nos desanime; antes, que nos sirva de incentivo ao trabalho correto, profissional e desprovido de ideologias, como tem sido feito desde a Constituição de 1988. Esse ponto de inflexão e tensão institucional será ultrapassado pelo esforço de todos e pelo reconhecimento da sociedade em relação aos resultados alcançados.
Um sumário honesto da votação das 10 Medidas, na Câmara dos Deputados, deverá registrar que o que havia de melhor no projeto foi excluído e medidas claramente retaliatórias foram incluídas. Cabe esclarecer que a emenda aprovada, na verdade, objetiva intimidar e enfraquecer Ministério Público e Judiciário.
As 10 Medidas contra a Corrupção não existem mais. O Ministério Público Brasileiro não apoia o texto que restou, uma pálida sombra das propostas que nos aproximariam de boas práticas mundiais. O Ministério Público seguirá sua trajetória de serviço ao povo brasileiro, na perspectiva de luta contra o desvio de dinheiro público e o roubo das esperanças de um país melhor para todos nós.
Nesse debate, longe de qualquer compromisso de luta contra a corrupção, vimos uma rejeição violenta e irracional ao Ministério Público e ao Judiciário. A proposta aprovada na Câmara ainda vai para o Senado. A sociedade deve ficar atenta para que o retrocesso não seja concretizado; para que a marcha seja invertida novamente e possamos andar pra frente.
O conforto está na Constituição, que ainda nos guia e nos aponta o lugar do Brasil. Que seja melhor do que o que vimos hoje."
Mais de 80% dos alvos da Lava Jato aprovaram abuso de autoridade contra juiz e procurador
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