Publicidade
Publicidade
Receba notícias do Congresso em Foco:
Congresso em Foco
1/5/2020 | Atualizado 10/10/2021 às 17:37
Jean Wyllys *
Eu respondi à minha amiga que o que mais me incomodava em ser alvo dessa organização criminosa era o ódio que ela despertava em mim. E acrescentei que, antes de tomar as providências legais cabíveis em âmbito nacional e internacional, eu preciso sempre me livrar primeiro desse ódio. Minha amiga me disse que também lhe doía muito sentir o ódio que esses criminosos lhe despertavam.
> Sr. presidente, suas condolências são falsas; não as aceito
> Acesse de graça, por 30 dias, o nosso conteúdo premium
Nesses três relatos verídicos (ocultei os nomes das pessoas para preservá-las), o ódio aparece como um sentimento infeccioso; como o sintoma de um contágio que produz sofrimento, como algo que adoece as pessoas tanto quanto o novo coronavírus.
A ensaísta e crítica literária Susan Sontag, em seu monumental Doença como metáfora, adverte-nos para os perigos que há em se abordar determinadas enfermidades como outra coisa que não sejam o que elas são de fato: doenças. Sontag está certa, pois metáforas em torno de doenças como a tuberculose, o câncer e a Aids foram responsáveis pela estigmatização e marginalização dos doentes e até mesmo de violências físicas contra estes. Porém, a própria Sontag admite, citando o filósofo Aristóteles, que é impossível pensar sem metáforas. Sendo assim, recorro à infecção por vírus como metáfora do danos que o governo Bolsonaro e a extrema-direita estão causando nas subjetividades e na saúde emocional dos brasileiros. Esta metáfora pode ser estendida aos estragos provocados por idiotas de extrema-direita em outras partes do mundo, vide a recomendação que Donald Trump fez na televisão de que as vítimas da covid-19 tomassem detergente para combater o vírus, o que provocou vários casos envenenamento aqui nos EUA. É a metáfora mais pertinente em tempo de pandemia de um novo coronavírus.
A Polícia Federal já tem as provas do envolvimento direto de Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República, na organização criminosa batizada de "Gabinete do Ódio". A PF também já sabe quem são os outros integrantes da quadrilha. Este fato mais as investigações que a Polícia Federal está empreendendo em torno das milícias do Rio de Janeiro e do assassinato de Marielle Franco em 2018 e que revelam laços estreitos entre os assassinos e Flávio Bolsonaro - levaram o presidente Jair Bolsonaro a tentar intervir na Polícia Federal, o que serviu de gancho para o agora ex-ministro da Justiça Sergio Moro deixar o governo, acusando-o de corrupção e outros crimes na graves.
A saída ruidosa de Sergio Moro acontece logo depois da ruptura de Mandetta, ex-ministro da Saúde que vinha tratando a pandemia de covid-19 com alguma seriedade nesse governo de incompetentes, responsável direto pelas cenas tenebrosas de enterros em valas comuns de centenas de mortos pela covid-19 a que os brasileiros assistem todos os dias pela televisão.
> Ao receber prêmio, Jean Wyllys celebra a diversidade e repudia o fascismo
Veja o vídeo:
O "Gabinete do Ódio" decidiu me envolver nesse ataque a Sergio Moro porque sabe que a homofobia (o ódio e a aversão social mais ou menos consciente aos homossexuais e seus modos de vida) é um elemento de coesão e de mobilização das hostes fascistas. Trata-se de promover o ódio a Sergio Moro por contágio: fica mais fácil odiá-lo e acusá-lo de que "conspirou contra Bolsonaro" se ele for associado à "proteção" de um homem gay já odiado por outras tantas calúnias e mentiras disseminadas por essa mesma organização criminosa que agora se volta contra Moro depois de o ter favorecido no passado.
Não é mera coincidência que, na quarta-feira (29), Bolsonaro tenha dito, por meio de seu perfil no Facebook, que a Organização Mundial de Saúde (OMS) "incentiva a masturbação e a homossexualidade em crianças". Trata-se de uma mentira descarada e grave; trata-se de uma calúnia perpetrada contra o organismo que está liderando, em todo o mundo, o enfrentamento à Covid-19 e a assistência humanitária às suas vítimas.
Assim como "a mamadeira de piroca" e o "kit gay", essa fake news de Bolsonaro contra a OMS busca interpelar a homofobia que amalgama os bolsonaristas, que os identifica entre si. E não se trata de uma representação negativa qualquer da homossexualidade, mas daquela representação mentirosa que a trata como ameaça à infância inocente.
Essa tática não é nova. A história nos mostras diferentes episódios em que estupradores e negociantes de mulheres escravas, exploradores sexuais de prostitutas e das próprias esposas, assediadores asquerosos de meninas e mandantes quando não perpetradores do assassinato de crianças pretas e pobres usaram fake news, mentiras, caricaturas grotescas e casos isolados para difamar a comunidade de gays e lésbicas, acusando-a de "ameaça à infância"; e, dessa forma, manipulando a homofobia social da maioria, conseguiram dirigir o ódio desta contra os gays e lésbicas e esconder seus próprios crimes.
Ao final das eleições de 2018, a filósofa Márcia Tiburi, o jurista Renan Quinalha, o psicanalista lacaniano Antonio Quinet e eu escrevemos um dossiê sobre a centralidade da homofobia na vitória da extrema-direita no Brasil. Parte expressiva das esquerdas segue menosprezando esse dado e, por isso, ineficaz ante o bolsonarismo.
Já disse e repito: ratos acuados são perigosos porque atacam. Os ratos acuados do governo Bolsonaro estão atacando com calúnias e teorias conspiratórias na forma de fake news desde Sergio Moro até a OMS e o Papa Francisco, passando pelos ministros do STF, os jornalistas da Globo e da Folha de S.Paulo e a minha pessoa. Mas ainda que ataquem, esses ratos acuados são ratos acuados, e nós sabemos qual o destino os ratos acuados.
Eles são focos de transmissão de agentes infecciosos. Estão adoecendo o país, literal e metaforicamente. São responsáveis pelas mortes em decorrência da covid-19 e pela epidemia de fake news que leva ao ódio; são culpados também por despertar o ódio em que não quer esse sentimento para si.
Aí reside o nosso verdadeiro desafio após a pandemia. Quando sairmos do confinamento, a verdadeira doença ainda precisa ser combatida. Trata-se do mal que nos flagelou antes do ataque do novo coronavírus: o fascismo, suas mentiras e seu ódio.
* Jean Wyllys é escritor, jornalista e, atualmente, professor visitante na Universidade de Harvard. Eleito três vezes consecutivas deputado federal pelo Psol, renunciou ao seu último mandato em função de graves ameaças de morte, exilando-se na Europa. Recebeu três Prêmios Congresso em Foco de Melhor Deputado do Ano.
> Ao receber o Prêmio Congresso em Foco, Jean Wyllys repudia o fascismo
> Cadastre-se e acesse de graça por 30 dias o melhor conteúdo político premium do paísTags
LEIA MAIS
SEGURANÇA PÚBLICA
Senado votará PEC que inclui guardas municipais na Constituição
FORÇAS ARMADAS
Saiba como vão ficar os salários dos militares após reajuste
DIPLOMA BERTHA LUTZ
Senado premia Fernanda Montenegro, Fernanda Torres e mais 17 mulheres