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Congresso em Foco
01/05/2020 | Atualizado às 17h37
Jean Wyllys *
Eu respondi à minha amiga que o que mais me incomodava em ser alvo dessa organização criminosa era o ódio que ela despertava em mim. E acrescentei que, antes de tomar as providências legais cabíveis em âmbito nacional e internacional, eu preciso sempre me livrar primeiro desse ódio. Minha amiga me disse que também lhe doía muito sentir o ódio que esses criminosos lhe despertavam.
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Nesses três relatos verídicos (ocultei os nomes das pessoas para preservá-las), o ódio aparece como um sentimento infeccioso; como o sintoma de um contágio que produz sofrimento, como algo que adoece as pessoas tanto quanto o novo coronavírus.
A ensaísta e crítica literária Susan Sontag, em seu monumental Doença como metáfora, adverte-nos para os perigos que há em se abordar determinadas enfermidades como outra coisa que não sejam o que elas são de fato: doenças. Sontag está certa, pois metáforas em torno de doenças como a tuberculose, o câncer e a Aids foram responsáveis pela estigmatização e marginalização dos doentes e até mesmo de violências físicas contra estes. Porém, a própria Sontag admite, citando o filósofo Aristóteles, que é impossível pensar sem metáforas. Sendo assim, recorro à infecção por vírus como metáfora do danos que o governo Bolsonaro e a extrema-direita estão causando nas subjetividades e na saúde emocional dos brasileiros. Esta metáfora pode ser estendida aos estragos provocados por idiotas de extrema-direita em outras partes do mundo, vide a recomendação que Donald Trump fez na televisão de que as vítimas da covid-19 tomassem detergente para combater o vírus, o que provocou vários casos envenenamento aqui nos EUA. É a metáfora mais pertinente em tempo de pandemia de um novo coronavírus.
A Polícia Federal já tem as provas do envolvimento direto de Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República, na organização criminosa batizada de "Gabinete do Ódio". A PF também já sabe quem são os outros integrantes da quadrilha. Este fato mais as investigações que a Polícia Federal está empreendendo em torno das milícias do Rio de Janeiro e do assassinato de Marielle Franco em 2018 e que revelam laços estreitos entre os assassinos e Flávio Bolsonaro - levaram o presidente Jair Bolsonaro a tentar intervir na Polícia Federal, o que serviu de gancho para o agora ex-ministro da Justiça Sergio Moro deixar o governo, acusando-o de corrupção e outros crimes na graves.
A saída ruidosa de Sergio Moro acontece logo depois da ruptura de Mandetta, ex-ministro da Saúde que vinha tratando a pandemia de covid-19 com alguma seriedade nesse governo de incompetentes, responsável direto pelas cenas tenebrosas de enterros em valas comuns de centenas de mortos pela covid-19 a que os brasileiros assistem todos os dias pela televisão.
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Veja o vídeo:
O "Gabinete do Ódio" decidiu me envolver nesse ataque a Sergio Moro porque sabe que a homofobia (o ódio e a aversão social mais ou menos consciente aos homossexuais e seus modos de vida) é um elemento de coesão e de mobilização das hostes fascistas. Trata-se de promover o ódio a Sergio Moro por contágio: fica mais fácil odiá-lo e acusá-lo de que "conspirou contra Bolsonaro" se ele for associado à "proteção" de um homem gay já odiado por outras tantas calúnias e mentiras disseminadas por essa mesma organização criminosa que agora se volta contra Moro depois de o ter favorecido no passado.
Não é mera coincidência que, na quarta-feira (29), Bolsonaro tenha dito, por meio de seu perfil no Facebook, que a Organização Mundial de Saúde (OMS) "incentiva a masturbação e a homossexualidade em crianças". Trata-se de uma mentira descarada e grave; trata-se de uma calúnia perpetrada contra o organismo que está liderando, em todo o mundo, o enfrentamento à Covid-19 e a assistência humanitária às suas vítimas.
Assim como "a mamadeira de piroca" e o "kit gay", essa fake news de Bolsonaro contra a OMS busca interpelar a homofobia que amalgama os bolsonaristas, que os identifica entre si. E não se trata de uma representação negativa qualquer da homossexualidade, mas daquela representação mentirosa que a trata como ameaça à infância inocente.
Essa tática não é nova. A história nos mostras diferentes episódios em que estupradores e negociantes de mulheres escravas, exploradores sexuais de prostitutas e das próprias esposas, assediadores asquerosos de meninas e mandantes quando não perpetradores do assassinato de crianças pretas e pobres usaram fake news, mentiras, caricaturas grotescas e casos isolados para difamar a comunidade de gays e lésbicas, acusando-a de "ameaça à infância"; e, dessa forma, manipulando a homofobia social da maioria, conseguiram dirigir o ódio desta contra os gays e lésbicas e esconder seus próprios crimes.
Ao final das eleições de 2018, a filósofa Márcia Tiburi, o jurista Renan Quinalha, o psicanalista lacaniano Antonio Quinet e eu escrevemos um dossiê sobre a centralidade da homofobia na vitória da extrema-direita no Brasil. Parte expressiva das esquerdas segue menosprezando esse dado e, por isso, ineficaz ante o bolsonarismo.
Já disse e repito: ratos acuados são perigosos porque atacam. Os ratos acuados do governo Bolsonaro estão atacando com calúnias e teorias conspiratórias na forma de fake news desde Sergio Moro até a OMS e o Papa Francisco, passando pelos ministros do STF, os jornalistas da Globo e da Folha de S.Paulo e a minha pessoa. Mas ainda que ataquem, esses ratos acuados são ratos acuados, e nós sabemos qual o destino os ratos acuados.
Eles são focos de transmissão de agentes infecciosos. Estão adoecendo o país, literal e metaforicamente. São responsáveis pelas mortes em decorrência da covid-19 e pela epidemia de fake news que leva ao ódio; são culpados também por despertar o ódio em que não quer esse sentimento para si.
Aí reside o nosso verdadeiro desafio após a pandemia. Quando sairmos do confinamento, a verdadeira doença ainda precisa ser combatida. Trata-se do mal que nos flagelou antes do ataque do novo coronavírus: o fascismo, suas mentiras e seu ódio.
* Jean Wyllys é escritor, jornalista e, atualmente, professor visitante na Universidade de Harvard. Eleito três vezes consecutivas deputado federal pelo Psol, renunciou ao seu último mandato em função de graves ameaças de morte, exilando-se na Europa. Recebeu três Prêmios Congresso em Foco de Melhor Deputado do Ano.
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