Deputado Vitor Hugo (PSL-BA) ao lado da deputada Carla Zambelli (PSL-SP) durante coletiva de imprensa sobre a manifestação de delegações indígenas reprimidas na porta da Câmara em 2021. Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Vistos com ressalvas por movimentos sociais e listados como pautas de interesse do governo, as propostas de alterações na
Lei Antiterrorismo cresceram substancialmente durante o primeiro ano de pandemia no Brasil. Desde a sanção desse texto, em 2016, parlamentares de diferentes siglas apresentaram 36 projetos para alterá-lo. Mais da metade deles foram protocolados em 2020, no primeiro ano de pandemia.
"Em 2020, o que se verifica é um salto com a apresentação de 13 projetos que visam ampliar o tipo penal do terrorismo, dos quais pelo menos dez, além de propor a ampliação do tipo penal, apresentam riscos concretos para os movimentos sociais", observam os pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) Thiago Trindade e Carla Guareschi. Eles são autores de um estudo que apresenta as
repercussões políticas e legislativas da aprovação da Lei Antiterrorismo no Brasil.
Trindade e Guareschi destacam como aspectos para se observar essa elevação nos números o aumento da insatisfação popular com a crise sanitária e a eclosão de protestos "antifascistas".
"Desde março de 2020, o grave contexto da pandemia de covid-19 deslocou a agenda política de todos os poderes da República, inclusive nos estados e municípios, para o enfrentamento da crise sanitária, econômica e social, à exceção do governo federal, que adotou postura "negacionista" em relação à gravidade do vírus e dos riscos de colapso no sistema de saúde nacional; e os protestos "antifascistas" de junho de 2020 marcam o primeiro momento de manifestações em escala contra o governo Bolsonaro, que resultou na apresentação de proposições pela base do governo para "tipificar os grupos 'antifas' como organizações terroristas"".
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Ainda de acordo com os pesquisadores da UnB, 23 projetos com fins de modificar a lei representam ameaças diretas às liberdades de manifestação e movimentos sociais. Destes, 16 foram apresentados depois que Bolsonaro assumiu o posto de chefe do executivo.
Das 36 propostas apresentadas, 31 tiveram origem na Câmara dos Deputados e cinco no Senado Federal.
Percentual do governo Bolsonaro
A maior parte dos projetos visando alterações na Lei Antiterrosimo (67%) foram protocolados durante a gestão Bolsonaro, isto é, entre 2019 e 2021. Coube ao PSL - partido pelo qual o presidente foi eleito - a autoria do maior número de propostas para revisão do texto. Um total de 11, contra quatro do segundo colocado, o PR. O PSDB, com três, fecha o pódio.
No ano passado o
PL 1595/2019, inicialmente proposto por Bolsonaro, quando exercia mandato na Casa, e reapresentado pelo deputado
Vitor Hugo (PSL-GO), voltou à pauta de discussões. Ele sugere uma série de redefinições conceituais para os termos terrorismo e contraterrorismo. Assim, cria modalidades de monitoramento, inteligência e controle da sociedade por meio de uma espécie de Polícia da Presidência.
Movimentos sociais alegam que o texto abre brecha para criminalizar a atuação de lideranças, movimentos de base e organizações da sociedade civil.
Já o deputado Vitor Hugo defende que a matéria busca "preservar vidas humanas, preservar a capacidade do Estado brasileiro de tomar decisões em momentos críticos e preservar o patrimônio público e privado".
A Câmara chegou a rejeitar, em dezembro passado, um requerimento de urgência para análise dessa proposição. Mas o projeto deve voltar aos holofotes com o retorno das atividades legislativas. Na avaliação da oposição,
as ações do governo no Congresso estarão centradas nas pautas de costume e sejam marcadas por discursos mais ideológicos.
O deputado federal
Paulo Teixeira (PT-SP), no entanto, considera que ele não irá progredir. "O sinal mais contundente foi ter derrotado o pedido de urgência. Eu não gosto dessa lei atual, porém não teve nenhum enquadramento de terrorismo no Brasil. Não é uma oportunidade para mexer na lei, é o pior momento para se discutir", afirma o deputado.
Com base no levantamento e análise desta e de outras propostas relativas ao Lei Antiterrorismo, Thiago Trindade e Carla Guareschi alertam para o perigo do "caráter genérico e excessivamente abrangente" do termo "terrorismo" que "abriu margem para a apresentação de diversas proposições legais que pretendem tornar a Lei nº13.260/2016 em um instrumento explícito de repressão e da criminalização da luta social no Brasil".
Lei Antiterrorismo é herança do PT
A Lei Antiterrorismo é uma herança do governo PT. Encaminhada pelo Executivo ao Congresso em 18 de junho de 2015, o projeto tramitou em regime de urgência, o que reduziu significativamente o espaço para debates. Esse texto foi produzido após as manifestações de junho de 2013, que contribuíram com a derrubada dos índices de popularidade da ex-presidente Dilma Rousseff e que coincidiram com as ações da Operação Lava Jato e culminaram no impeachment da presidente.
"É, portanto, nesse cenário altamente instável, no qual o governo federal se encontrava "emparedado" pelas forças de oposição, que o Projeto de Lei Antiterrorismo é apresentado ao Congresso", lembram Trindade e Guareschi.
A lei classifica o que pode ser considerado como atos de terrorismo e prevê a pena de reclusão de 12 a 30 anos. No entanto, a normativa conta com definições vagas, que permitem análises subjetivas sobre o que são atos terroristas.