É necessário não perder o foco do enfrentamento dos grandes problemas nacionais, paralelo à defesa intransigente da democracia brasileira.
Bruno Sobral*
O Senado Federal retomou os debates sobre a parte da reforma tributária que trata dos impostos sobre consumo. Materializada na
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 110, a reforma preconiza a simplificação do sistema tributário por meio da junção de vários impostos federais, estaduais e municipais em um imposto único, com uma única alíquota aplicável a todos os setores da economia. O arranjo simplificador, se não for corretamente calibrado, trará como dano colateral o encarecimento da saúde e da educação, de que será vítima maior a população.
Não é por um sortilégio que saúde e educação têm tratamento especial na Constituição Federal e figuram logo de início, no capítulo da Ordem Social, como direitos inalienáveis dos cidadãos. Esses são bens fundamentais para assegurar existência digna a todos e devem ser tratados pelo Estado e pelos reformadores como objeto de especial interesse da sociedade. Justamente por isso, grande número de países adota a diferenciação tributária como política pública destinada a reduzir o custo desses bens e serviços para a população.
Levantamento feito a pedido da Confederação Nacional da Saúde (
CNSaúde) constatou que de 117 países pesquisados, 96 deles conferem algum tipo de isenção ou tarifa reduzida ao setor de saúde. Entre eles estão Reino Unido, Japão, Canadá, Portugal, México e Argentina.
O texto da PEC 110, sob o pretexto de criar alíquota única, retira na prática o status especial que a Constituição conferiu à saúde e à educação e vai na contramão das políticas adotadas internacionalmente.
A ideia da alíquota igual tem apelo porque soa como igualitária. Entretanto, a alíquota igual tem impactos diferentes sobre cadeias produtivas diferentes. Na indústria, a empresa será tributada sobre o valor que ela adiciona ao produto, abatendo dos impostos a pagar os valores pagos por seus fornecedores (e que vêm embutidos nos insumos que ela compra). No caso da saúde e da educação, como o principal insumo é o trabalho, há muito pouco a abater. Na prática, para a indústria, a carga tributária permanecerá mais ou menos a mesma; para a educação e a saúde, no entanto, haverá uma brutal elevação. No caso da saúde, as projeções indicam um aumento de 17 pontos percentuais. Ou seja, para ser de fato igualitária, a reforma deveria tratar como diferentes os diferentes.
O aumento da carga tributária para esses setores vai se refletir em alta nos preços, o que pode levar a saúde suplementar a perder 1,5 milhão de beneficiários (R$ 11 bilhões de redução na demanda) e a educação privada, 825 mil alunos (R$ 6,4 bilhões). Como resultado, haverá aumento da demanda sobre os serviços públicos e sobre o orçamento da União, dos Estados e Municípios.
Sensível ao problema, o relator da medida, senador Roberto Rocha (PSDB), propõe que a reforma admita a possibilidade de diferenciar as alíquotas posteriormente à aprovação da PEC 110, por meio de lei complementar. A preocupação é correta, a intenção é boa, mas a procrastinação dessa definição não é razoável. Aprovada a PEC, haverá a oneração imediata sobre saúde e educação, com os impactos negativos sobre preços e sobre o bolso do consumidor. Já a correção desse desequilíbrio ficará dependente de uma nova discussão, para a elaboração de uma lei complementar, que, como nos mostra a experiência legislativa, pode ficar para as calendas gregas.
*Bruno Sobral é secretário Executivo da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde)
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