Para contratar a veiculação de anúncios, Caixa impõe uma lista de termos proibidos em matérias jornalísticas. Foto: Augusto Coelho/Fenae
Imagine a página de um veículo noticioso que, a pouco mais de dois meses da eleição para presidente da República, não possa mencionar os nomes de "
Jair Bolsonaro" e "
Lula", principais postulantes ao cargo.
Ou na qual esteja vedado o uso de termos como "Congresso", "
abuso sexual", "
presidente da Caixa Econômica", "
cloroquina", "
covid", "
Marielle Franco", "
Paulo Guedes", "
Regina Duarte", "Itamaraty", "
fake news", "Amazônia",
Felipe Neto, "
ditadura militar", "
Flávio Bolsonaro", "
Sergio Moro" e "
Dom Philips".
Todas essas palavras e dezenas de outras, num total de 239 termos, constam de uma lista de expressões proibidas pela
Caixa Econômica Federal. Ou seja: nenhuma delas pode aparecer em uma página na qual seja exibido anúncio da Caixa. Nos meios publicitários, esse tipo de relação é chamada de "blocklist" (do inglês lista de bloqueio). É um expediente usado por vários anunciantes para evitar que sua marca seja associada a determinados temas, tais como pornografia, acidentes graves, violência ou terrorismo. O que profissionais da área não estão acostumados a ver é um índex tão abrangente.
As agências que atendem a Caixa também foram instruídas a punir os veículos que desrespeitam a regra abatendo valores a pagar, suspendendo a campanha publicitária ou aplicando outras sanções, não especificadas pelas agências. "Isso mostra que a Caixa virou um instrumento cada vez mais do governo, e não de Estado", afirma o cientista político André Pereira César.
"É um órgão do Bolsonaro. O ex-presidente
Pedro Guimarães, desde o início da sua gestão, mostrou ser um agente dessa filosofia", completa André. Um dos mais assíduos participantes das famosas
lives de quinta-feira de Bolsonaro, Pedro Guimarães perdeu o emprego após ter sido acusado por servidores e servidoras da Caixa de fazer espionagem política de funcionários e promover uma cultura de assédio moral e sexual.
Para o cientista político, o fato de o índex da Caixa conter nomes do governo e da oposição não confere qualquer isenção ao tipo de controle editorial buscado pela estatal. "Temos duas vertentes. De um lado, a ideia é não mencionar o adversário ou antigos aliados que viraram desafetos; e do outro é impedir a provocação de Jair Bolsonaro, de sua família e de seus aliados no governo", disse.
Veja quais são os 239 termos proibidos:
Contra liberdade de expressão
O senador
Humberto Costa (PT-PE), presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, reagiu com espanto às exigências feitas pela Caixa: "Isso é um cerceamento completo da liberdade de expressão. Não é possível uma instituição jornalística não abordar temas que mantenham relação com esses termos e essas pessoas. É inaceitável".
Humberto Costa adiantou que considera o fato tão grave que vai acionar a liderança da oposição no
Senado para estudar possíveis medidas contra o procedimento adotado pelo governo federal. Na
Câmara, o líder da minoria,
Alencar Santana Braga (PT-SP), também criticou: "Essa lista não tem sentido. O que de fato se quer ali é usar dinheiro público para autopromoção, fazendo ao mesmo tempo uma censura e o controle da imprensa. O que o governo tenta é impedir que se fale do processo político e assim evitar que se faça crítica".
A vice-presidente da
Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Regina Pimenta, ressaltou o caráter autoritário da prática seguida pelo governo: "Quando a Caixa Econômica Federal define que vai debitar do investimento publicitário contratado junto ao veículo valores correspondentes a matérias que citem expressões 'proibidas', pratica censura, o que é inaceitável em regimes democráticos".
De acordo com o advogado Christian Thomas Oncken, a prática viola a Constituição: "Temos uma restrição à liberdade de informação jornalística, uma censura. O artigo 220 do texto constitucional diz que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, e também veda toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística".
Resposta da Caixa
O
Congresso em Foco desde quinta-feira (28) tentava obter da Caixa esclarecimentos sobre a sua conduta. A resposta só foi enviada após a publicação da reportagem. Confira a íntegra da resposta da estatal:
"A CAIXA esclarece que a medida mencionada é uma prática de mercado que visa tão somente a isenção e proteção da marca, preservando a imagem da instituição ao realizar sua inserção em conteúdos aderentes às estratégias mercadológica e negocial do banco e ao seu planejamento de marketing.
Destacamos que medidas de preservação da marca também constam em cartilha da Controladoria Geral da União (CGU) de "Boas Práticas Aplicáveis à Utilização pela Administração Pública Federal", que orienta a adoção de "Brand Suitability" quando essa exposição ocorre em contextos e conteúdos inadequados, abrangendo inclusive temas relacionados à política.
Ressaltamos, por fim, que a contratação de mídia publicitária é intermediada pelas agências de propaganda contratadas, conforme previsão contratual e o disposto na lei nº 12.232, de 29 de abril de 2010."
Acionamos posteriormente a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) do governo federal. Cabe ao órgão, vinculado ao Ministério das Comunicações, disciplinar e autorizar toda a publicidade feita pela administração direta e indireta da União. Não recebemos resposta da Secom até o momento.