Manifestantes durante ato contra a LGBTfobia em frente ao Congresso
Foto: Marcelo Casal/Agência Brasil
Dos mais de 28 mil candidatos e candidatas com registro nas eleições de 2022, apenas 58 são pessoas identificadas como transsexuais ou transgêneros, conforme aponta a lista divulgada pelo coletivo
Vote Lgbt+. A proporção, que corresponde a pouco mais de 0,2% do total de candidaturas, contrasta com o tamanho da comunidade trans no Brasil, que representa cerca de 2% da população brasileira conforme estudo realizado pela
Universidade Estadual Paulista (Unesp) e divulgado na
Nature Scientific Reports em 2021.
A defasagem entre o total de candidaturas trans e o número de pessoas da comunidade concorrendo nas
eleições de 2022 pouco difere do pleito de 2018, quando a
Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) identificou ao menos 53 pessoas trans competindo para a
Câmara dos Deputados e para as assembleias legislativas estaduais.
No
Tribunal Superior Eleitoral, a estatística de pessoas trans já carece de critérios que permitam uma análise precisa nestas eleições: pessoas que não utilizam nomes sociais ou que conseguiram a mudança de nome em cartório são contabilizadas como cisgênero, e dos 34 nomes sociais registrados, nem todos são por questões de gênero.
Impacto social
A comunidade trans não possui representantes na atual legislatura da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, com seus quadros ficando limitados a poucas deputadas estaduais e vereadoras. No Congresso Nacional, existem ainda parlamentares com atuação na defesa dos direitos dessas pessoas. A ativista e candidata Paula Benett, que concorre a deputada federal pelo PSB do DF, conta que, para as pessoas trans, esse apoio não substitui a representação direta no legislativo.
De acordo com a ativista, a importância da participação política de pessoas trans começa justamente pelo lançamento das candidaturas. "A candidatura de pessoas trans, além de uma questão histórica, é uma questão de representatividade: é uma forma de mostrar que podemos ocupar os mesmos espaços que as pessoas cis, de superar os preconceitos e mostrar que nós também temos potencial para isso", explicou.
O outro ponto está no papel desempenhado por essas candidatas após as eleições. "Depois de eleitas, pessoas trans observam questões sociais não simplesmente de forma superficial, mas em uma posição de equidade: observando as especificidades de cada indivíduo. Sentimos na pele o quanto o povo é diverso; existem pessoas indígenas, negras, pessoas que precisam de acessibilidade", ressalta.
A candidata conta que, dentro da comunidade trans, cada nicho social ainda conta com demandas próprias, que exigem uma observação aprofundada por parte de legisladores. "Para uma travesti negra na periferia com deficiência, por exemplo, abre-se um abismo social. Para essas pessoas, precisamos de um esforço para conseguir trabalhar ainda mais em ações reparatórias e em políticas públicas", exemplifica.
Além disso, Paula Benett considera que a participação de pessoas trans nas eleições e a ocupação em cargos políticos se torna uma motivação para a participação política das demais. "A sociedade nos impõe nichos. A maioria ou é obrigada a trabalhar em salões de beleza, ou com a prostituição, o que não seria um problema se fosse por opção. A participação de pessoas trans na política cria a esperança nas demais para ocupar outros espaços, estimula elas a, quando desejarem, procurar outros caminhos".
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Violência política
Pessoas trans com cargo político não raramente são alvos de violência, motivo
apontado por especialistas como principal obstáculo para candidatos Lgbt+ . Foi o caso por exemplo da vereadora
Benny Briolly, do Psol de Niterói (RJ), que sofreu ameaças desde antes da sua posse, chegando a receber ataques de outros parlamentares dentro da própria Câmara Municipal. Em maio de 2021, temendo pela sua própria segurança, saiu do Brasil.
Em 2022, também foi alvo de violência a vereadora
Duda Salabert, do PDT de Belo Horizonte (MG), que recebeu um e-mail com expressões de cunho neonazista ameaçando-a de tortura e morte. Em Porto Alegre (RS), o mesmo aconteceu com as vereadoras
Erika Hilton e Natasha Ferreira, as duas do Psol, também da comunidade trans.
Paula Benett avalia que a violência contra pessoas trans e contra demais segmentos da comunidade
Lgbt+ na política não se dá por acaso. "Eles não nos querem nesses espaços. A ideia é oprimir, nos intimidar e mexer com o nosso psicológico para fazer a gente desistir. Nós vivemos em uma realidade cruel de racismo, machismo e sexismo. Tudo aquilo que vier para mudar como está, vai enfrentar resistência". De acordo com ela, preconceitos se comportam como uma doença, que exige esforço coletivo para ser combativa.