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DOIS VOTOS PARA DEPUTADO
Congresso em Foco
8/4/2025 | Atualizado às 15:47
O Congresso Nacional reabriu o debate sobre uma das propostas mais sensíveis da reforma política: a adoção do sistema de voto distrital misto para eleições proporcionais no Brasil, o que mudaria a forma como são eleitos deputados federais, estaduais, distritais e vereadores.
A proposta tem ganhado apoio em diferentes partidos, sob o argumento de que é preciso reforçar a representatividade partidária por meio de um maior vínculo entre eleitor e parlamentar. No entanto, críticos alertam para os riscos de distorções no processo e para a fragilidade das estruturas partidárias brasileiras diante de um sistema mais complexo.
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), vai instalar uma comissão especial para discutir o assunto. Antes, fará uma reunião, provavelmente na próxima semana, com os presidentes dos partidos políticos. Um dos principais defensores da mudança é o presidente do PSD, Gilberto Kassab, cujo partido elegeu o maior número de prefeitos em 2024.
O que é o voto distrital misto?
Trata-se de um modelo híbrido que combina dois sistemas eleitorais: o majoritário e o proporcional. O eleitor vota duas vezes uma no candidato de seu distrito (voto majoritário) e outra em uma lista partidária (voto proporcional).
Metade das cadeiras é preenchida pelos vencedores nos distritos, e a outra metade, por candidatos de partidos que recebem votos suficientes na lista, respeitando a proporcionalidade. Países como Alemanha, Japão, México, Bolívia, Hungria, Venezuela, Sérvia e Nova Zelândia já utilizam esse formato.
Saiba como funciona o novo modelo de votação
Pontos fortes do voto distrital misto, segundo seus defensores
Parlamentares e especialistas favoráveis à proposta argumentam que o voto distrital misto pode trazer uma série de benefícios institucionais e democráticos:
- Aproximação entre eleitor e representante
Com distritos eleitorais menores, os eleitores saberão exatamente quem é o deputado ou vereador que os representa, facilitando a cobrança e o acompanhamento de seu mandato.
- Redução da fragmentação partidária
Ao exigir desempenho tanto nos distritos quanto nas listas partidárias, o sistema tende a dificultar a sobrevivência de partidos nanicos sem base eleitoral consistente.
- Equilíbrio entre mérito individual e ideologia partidária
O modelo valoriza tanto o desempenho pessoal do candidato quanto a força programática e institucional dos partidos, promovendo uma renovação política mais qualificada.
- Maior representatividade
Os votos dados a partidos, mesmo que seus candidatos não vençam nos distritos, não são desperdiçados o que favorece legendas com voto difuso.
- Estímulo à renovação e à competitividade
Candidatos novos ou com atuação local têm mais chances de se eleger nos distritos, enfrentando menos concorrência de caciques políticos com voto pulverizado nacionalmente.
Pontos fracos do voto distrital misto, segundo seus críticos
Do outro lado, há críticas severas à proposta, tanto por seu desenho técnico quanto pelo contexto institucional brasileiro:
- Sistema difícil de entender
Exigir dois votos distintos pode confundir o eleitor, especialmente em regiões com baixo nível de informação política, dificultando a compreensão sobre como o resultado final é composto.
- Criação de dois tipos de parlamentares
Haverá deputados com "peso político" diferenciado: os eleitos por voto direto no distrito podem ser vistos como mais legítimos do que os escolhidos por lista, o que pode gerar disputas internas.
- Risco de manipulação dos distritos
A definição das fronteiras dos distritos pode ser feita de forma a favorecer partidos ou grupos políticos, comprometendo a imparcialidade e a competitividade do sistema.
- Maior custo e complexidade logística
A implementação do modelo exigirá a reconfiguração do processo eleitoral, novas regras de apuração e maior investimento em campanhas de informação para o eleitorado.
- Partidos frágeis e personalistas
O bom funcionamento do sistema proporcional depende de partidos organizados, democráticos e programáticos algo que ainda é um desafio no Brasil, onde muitas siglas funcionam como legendas de aluguel.
Caminho na Câmara
A proposta ainda está em fase de discussão na Câmara, mas lideranças políticas já articulam a possibilidade de votação ainda neste ano, com efeitos para as eleições municipais de 2028 ou para as gerais de 2030.
Durante apresentação na Associação Comercial de São Paulo, nesta segunda-feira (7), Hugo Motta afirmou que o voto distrital misto "é uma evolução daquilo que nós temos no nosso sistema eleitoral". Segundo ele, entre os avanços já ocorridos estão o fim das coligações e a cláusula de barreira, criada para reduzir o número de partidos. "O voto distrital misto traz um sistema balanceado, para que a Casa possa estar mais representativamente melhor sendo formada", avaliou.
"Queremos priorizar isso, para que, nos próximos dias, a Câmara possa, de forma mais prática, discutir essa iniciativa", afirmou o deputado. Hugo Motta citou como ponto de partida das discussões o projeto de lei 9.212/2017, de autoria do ex-senador José Serra (PSDB-SP). A proposta já foi aprovada pelo Senado e está parada desde dezembro de 2022 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, onde chegou a receber parecer favorável do ex-deputado Samuel Moreira (PSDB-SP).
A adoção do voto distrital misto pode representar um avanço em termos de representatividade e governabilidade, mas só será bem-sucedida se vier acompanhada de reformas mais amplas, adverte o cientista político Ricardo de João Braga.
Para ele, o assunto deve ser visto com cautela pelo eleitor e pelos políticos brasileiros. "Em princípio, é um bom modelo, mas não garante que vai melhorar nossa representação", pondera. Doutor em ciência política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Ricardo fez mestrado na Universidade de Siegen, na Alemanha, país que adota o sistema discutido pela Câmara.
"O modelo de voto distrital misto alemão prescreve a eleição de parte dos deputados em distritos uninominais majoritários - o mais votado leva a vaga - e parte pelo sistema proporcional de lista fechada - aquela que os partidos montam internamente", explica.
Entre os pontos que, na avaliação dele, devem suscitar maior polêmica nas discussões na Câmara está a definição dos distritos dentro de cidades ou estados. "Quem vai desenhá-los? O simples desenho implica em vantagens para uns e desvantagens para outros, depende de como os deputados têm seus votos distribuídos no território", observa.
De acordo com o cientista político, a melhoria da representatividade política no país depende, ainda, da combinação de outros fatores, como transparência e democracia interna nos partidos, maior participação feminina entre os eleitos e o fim das anistias às dívidas partidárias.
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