Uma pesquisa acadêmica recém-concluída aponta o perfil e os hábitos digitais dos leitores de fact-checking no Brasil. De acordo com o estudo, a maior parte dos interessados em notícias verificadas está habituada à leitura crítica, é graduada, tem especialização ou mestrado. Também tem posicionamento ideológico definido: 39% dos entrevistados se dizem de esquerda e 30%, de centro-esquerda. Outros 8% se identificam como de direita e 6, como de centro.
Segundo o levantamento, a maior parte desse público vive nas regiões Sudeste e Sul do Brasil e tem renda salarial aproximada que varia entre dois (R$ 1.908) e dez salários mínimos (R$ 9.540). Conhece mais a Agência Lupa (60,5%), no entanto, confia mais nos dados da Agência Pública (64%). A televisão (41%) e o rádio (34,4%) são os meios de acesso às notícias mais utilizados pela maioria deles para se manter informado sobre o que acontece no país. O smartphone é o dispositivo mais utilizado para ler e buscar informações na internet (98,4%).
Mais da metade dos entrevistados disse não pagar para ler notícias no meio digital (65,9%) e 70% não têm interesse em financiar, doar recursos ou apoiar um projeto no meio digital. Os participantes da pesquisa também revelam sentir uma motivação maior em "curtir" (46%) e "compartilhar" (40,3%) nas redes sociais (Facebook e Twitter) uma notícia verificada. Apenas 28% informaram enviar ou compartilhar uma checagem pelo WhatsApp ou pelo Messenger. Por e-mail, esse percentual cai para 2%.
Pesquisa mostra que 84% dos eleitores de Bolsonaro acreditam no kit gay
Os dados levantados fazem parte do estudo que deu origem ao trabalho de conclusão de curso
Fact-checking - o conhecimento do leitor e o consumo de notícias verificadas, da estudante do curso de jornalismo Denise Becker, da Universidade Positivo, de Curitiba. A pesquisa coincidiu com o período em que as notícias falsas (as
fake news) tiveram um protagonismo inédito nas eleições brasileiras.
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
O smartphone é o dispositivo mais utilizado para ler e buscar informações na internet pelos consumidores de notícias checadas[/caption]
Depois de definir uma amostragem com base em dados socioeconômicos de leitores no país, Denise ouviu 324 pessoas de todas as regiões do Brasil entre julho e agosto. A amostra levou em conta indicadores como escolaridade, cor/raça, posicionamento político, renda, idade e hábitos de consumo.
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Desafios
O estudo indica algumas saídas para uma maior efetividade na checagem de notícias. Textos com muitos hiperlinks e dados podem representar uma barreira aos leitores devido ao baixo índice de leitura das pessoas no país. Segundo a Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil e o IBGE, de 2016, 44% dos brasileiros não leem e 30% nunca compraram um livro.
De acordo com Denise, o YouTube, a televisão e o WhatsApp podem ser utilizados de maneira intensiva para aproximar o público do jornalismo de checagem. "Um fact-checking mais humanizado, em que o jornalista se mostre mais às pessoas, inclusive divulgando outros trabalhos que já realizou e quais foram suas contribuições para melhorar a qualidade do debate público, quais leis foram alteradas, crimes solucionados, denúncias acolhidas e como o seu trabalho mudou realidades", sugere a estudante de jornalismo.
Apesar de já haver alguns estudos sobre a checagem de notícias no Brasil, as pesquisas têm se detido em aspectos mais particulares, como a metodologia do
fact-checking e seus processos. Existe pouco estudo dedicado a entender quais razões levam as pessoas a consumirem notícias verificadas, pondera a estudante. "Nossa pesquisa buscou contribuir para a compreensão sobre como e por que as pessoas consomem notícias verificadas", explica Denise.
Fake news
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
Pesquisa IDEIA Big Data/Avaaz mostrou que 84% dos eleitores de Bolsonaro acreditaram na existência do kit gay[/caption]
O fact-checking virou um antídoto à desinformação, às chamadas
fake news (notícias falsas). A atividade se dá no ambiente digital, com ênfase em temas políticos, na verificação de discursos que já tenham sido proferidos e no confronto com base em dados oficiais, pesquisas e consultas a especialistas, classificando-se por meio de etiquetas a veracidade ou a falsidade da notícia.
O trabalho, orientado pelos professores e jornalistas Rosiane Correia de Freitas e Hendryo André, analisou os sites
É ou Não É (editoria substituída para
Fato ou Fake no G1),
É Isso Mesmo? (blog
O Globo),
Prova Real (NSC Comunicação),
Aos Fatos,
Agência Pública e
Agência Lupa.
"Nos últimos dez anos se tornou muito fácil propagar qualquer tipo de conteúdo na internet. Os algoritmos sabem o que viraliza e já foi comprovado que posts com conteúdos emocionais, os mais populares, aqueles que dão vontade de compartilhar, os polêmicos, os radicais, são o tipo de conteúdo que podem ser revertidos em lucro", observa Denise.
Incompreensão
Para ela, o enfrentamento às
fake news exige das pessoas a compreensão sobre o que é o jornalismo e o que faz um jornalista. "Outras profissões são muito mais claras sobre o seu papel. A propagação de mentiras sempre existiu, a propaganda política sempre existiu e as pessoas seguem acreditando naquilo que vai ao encontro de suas crenças existentes desde a infância", diz. "Envolvem questões cognitivas, pois o cérebro humano tem a necessidade de receber informações confirmatórias que se harmonizem às opiniões e crenças existentes do indivíduo", acrescenta.
Na avaliação de Denise Becker, também é preciso investir em educação e na responsabilização das empresas de tecnologia para coibir o avanço das notícias falsas. "A solução para o contexto da desinformação é uma ação conjunta, educativa, de Justiça e de responsabilização das empresas de tecnologia e não apenas do jornalismo. Entender e investigar a internet é mais importante do que mostrar 'verdades e mentiras'. A sociedade precisa compreender este novo ecossistema e suas engrenagens."
Eleições & desinformação: de olho no combate às fake news