Paulinho comemora gol nas Olimpíadas de Tokyo [fotografo] Reprodução redes sociais [/fotografo]
Oxalá chegou para o semanal encontro com Emanuel e Jaci com um excepcional humor. Seu rosto não conseguia disfarçar o contagiante sorriso. Acabara de chegar do Orum, após uma reunião com os
orixás sobre as demandas despachadas nas tendas e terreiros.
As súplicas sempre foram variadas, os demandados e as oferendas também. Essas assembleias sempre foram importantes para que os orixás compreendessem o que ocorria no Aiê e, assim, trocarem experiências e saberes sobre os quereres da humanidade. A
pandemia, as mortes evitáveis, o ódio disseminado em mentiras e os atos racistas em gestos arrogantes eram pautas reiteradas que tiravam o sossego dos espíritos e dos mortais. Em razão disso, as sessões - ainda que intercaladas pelos sons dos atabaques, xequerês e agogôs - eram complexas, tensas, calorosas e cerimoniosas.
- Èpa Bàbá! - saudou, curiosa e alegremente, Jaci. - O que aconteceu no Orum? O seu rosto é só alegria.
- "Alegrai-vos com os que se alegram" - complementou Emanuel, também contagiado com o humor do amigo orixá.
- Vocês não sabem o que aconteceu na reunião - gargalhou Oxalá. - Ninguém conteve o sorriso...
- Conte logo Oxalá - interrompeu Jaci, sempre brincando. - Antes que Emanuel estrague o suspense e exerça a sua onisciência.
-
Ni bayi! Estávamos todos reunidos no Orum. Um silêncio digno de Olorum. A palavra estava com Xangô. E ele, bem sério em sua voz de trovão, fazia uma síntese dos graves problemas que atingem o Aiê e o nosso povo - retomou Oxalá. - O fato engraçado ocorreu quando Xangô explicava os últimos ataques racistas
contra os terreiros, inclusive por policiais...
-
Nde nhyrõ! - exclamou Jaci, com voz severa. - Como é possível achar engraçado algum assunto relacionado ao racismo? Racismo é coisa séria, humilha, mata...
- "Sejam todos prontos para ouvir, tardios para falar e tardios para irar-se" - sussurrou Emanuel, citando Tiago 1:19.
- Sabe, Emanuel! Estou na fase lunar de tolerância zero - posicionou-se Jaci. - Estou cansada de testemunhar machistas com "brincadeiras" que se convertem em
feminicídio, "piadas" que machucam seriamente e essas "coisas ditas sem querer querendo".
- Humildemente, peço desculpas, Jaci! - penitenciou-se Emanuel. - Eu não quis censurar você. Apenas que se esperasse Oxalá concluir a história.
-
Aûîé! Eu sei que vocês não toleram o
racismo, o machismo e a intolerância religiosa - retomou Jaci, logo citando, em sorriso enigmático, uma das frases do próprio Emanuel. - "Aquele que não tiver pecado, atire a primeira pedra".
- Jaci, você razão em nos lembrar de que a maldade estrutural tem que ser demolida - reconheceu Emanuel. - Inclusive o meu erro de ter interrompido você.
- A sua humildade é bíblica. Madalena sempre elogiou você, pois, diferentemente de seus amigos, nunca a interrompeu quando falava ou pregava - reconheceu Jaci. - Mas agora a deselegante está sendo eu, que não deixei Oxalá concluir a história hilária de Xangô.
- A história não tem relação com a narrativa de Xangô, Jaci - sorriu Oxalá. - Mas, como diria aquele ator fantástico Paulo Silvino, você "não esperou eu molhar o bico".
- "É que eu sou uma peça", como diria o maravilhoso
Paulo Gustavo - gargalhou Jaci, provocando uma risada geral.
- Pois bem! O silêncio estava ensurdecedor, o que ampliava a voz de Xangô - continuou Oxalá em suspense. - Até que se ouviu um grito forte na sala. Completamente descontextualizado. E sabe que grito era, Jaci?
- Eu sou lá de entender de grito de orixás! - sorriu Jaci. - Conte logo, antes que Emanuel adivinhe.
- Goooooooooooooool!! - deixou escapar o onisciente Emanuel, imitando o autor da comemoração esportiva.
- Não estou entendendo nada! - exclamou Jaci. - Era uma reunião ou um jogo?
- Uma reunião super séria, como já falei - esclareceu Oxalá, em risada incontida. - Mas no meio da reunião, não me pergunte como, Oxóssi disse que recebeu uma mensagem de um terreiro e não conseguiu conter o grito de gol.
- E Oxóssi é caçador ou jogador? - perguntou Jaci. - Onde já se viu ficar jogando em plena reunião.
- Na verdade, acho que Oxóssi não estava jogando. Ele estava era se gabando - seguiu gargalhando o orixá narrador. - O grito de gol foi utilizado para potencializar a sua estampada vaidade.
- O que foi de muita sagacidade - gargalhou Emanuel. - Já sintonizado com o que ocorrera.
- E foi mesmo o que ocorreu! Quebrado o silêncio, Olorum interrompeu a reunião e os orixás olharam, simultaneamente para Oxóssi, que não parava de pular e exaltar, alegremente, o nome de Paulinho.
- Paulinho? É algum orixá novo? - perguntou Jaci, ainda sem entender a história.
- Nada disso Jaci! - esclareceu Oxalá. - É que Paulinho, um dos jogadores da seleção brasileira de futebol, ao comemorar o gol que fizera nas
Olimpíadas, fez uma bela e ensaiada homenagem à Oxóssi.
- Muito justo o gesto desse Paulinho - vibrou Jaci. - É uma forma bacana de quebrar a intolerância contra os orixás.
- Justo é! - concordou Emanuel. - Ainda mais quando a homenagem é testemunhada em rede mundial.
- Então! Imagine a vaidade de Oxóssi com a projeção internacional inesperada e a ciumeira coletiva jogada no ar - seguiu narrando o humorado Oxalá. - Um gol de placa que acabou com a reunião no Orum.
- Mas que certamente continuou nos terreiros de Oxóssi - concluiu Jaci, para depois cantarolar. - "Samborê, pemba, é folha de jurema. Oxóssi reina de norte a sul".
- Okê Oxóssi! - saudou Oxalá.
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