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Oxalá convidou Emanuel e Jaci para jantar em sua casa. Olurum havia convidado Ogum para conversar sobre as mortes que estavam acontecendo nas comunidades pobres do Rio de Janeiro. Estava muito preocupado com o aumento do número de mortes envolvendo policiais em confronto com os moradores, além da fome e da covid que atingiam em proporções desiguais os grupos vulnerabilizados dessa camada populacional.
As pessoas gostavam das histórias de Ogum, o primeiro dos orixás a vir para a Terra. Gostavam quando ele contava de suas aventuras na floresta, como retirava das plantas o poder dos alimentos e até quando se metia a caçar pelas matas. Ficavam admirados com a arte que ele extraia do ferro, especialmente as armas que orgulhosamente portava. Mas, sobretudo, achavam imperdíveis as narrativas sobre as guerras que participou ou testemunhou.
Daí a ansiedade de Oxalá, Emanuel e Jaci enquanto aguardavam Ogum. Espera saciada quando um lindo cavalo branco apontou no horizonte, trazendo em sua sela o garboso convidado da noite.
- Saravá, Ogum! - saudou Olurum.
- Saravá, pai Olurum! Axé para todas e todos! - retribuiu Ogum, descendo do cavalo, para, em companhia dos presentes, ingressarem na casa.
- Salve, Jorge! - cumprimentou Emanuel, usando o nome que em sua moradia chamava Ogum.
- Ogum, meu querido! - iniciou Olurum, quando todos se sentaram em volta da enorme mesa posta no terreiro de sua moradia celestial. - Que bom que você veio.
- E como não atender ao chamado do criador do Universo, o Senhor dos Céus? - sorriu Ogum. - A sua ordem é sempre uma ordem, ainda que em forma de pedido.
- Não é ordem! É necessidade de me aconselhar com o meu orixá da política e da diplomacia - retribuiu Olurum. - Ando preocupado com algumas mensagens de Exu sobre as mais diversas formas de violência praticada contra nossos irmãos e nossas irmãs das comunidades cariocas. E a sua opinião é muito importante para todos nós. Jeová e Tupã prezam muito por seus conhecimentos.
- A violência contra nossos irmãos não é novidade, Olurum - constatou Ogum. - O Brasil ainda não nos alforriou de sua mentalidade escravista. A cor da nossa pele ainda é alvo de exploração, agressão, preconceito e racismo, diariamente.
- Todos nós sabemos disso. Sofremos esta violência insana em nossos cultos e terreiros - concordou Olurum. - Mas a preocupação de Exu decorre do aumento da violência praticada por policiais. Exatamente por aqueles que têm a função de proteger nossas comunidades.
- E Exu tem razão! A violência policial e as mortes por balas perdidas têm aumentado muito, além da fome e do vírus mortal - assentiu Ogum. - E o pior é que conta com a indiferença ou o apoio de grande parte da população, que espalha que pobres e negros são bandidos.
- Isso mesmo! - interveio Jaci. - Toda noite escuto essa ladainha, especialmente na casa das pessoas mais afortunadas: bandido bom é bandido morto.
- Dos gabinetes oficiais também - falou Emanuel. - E de vários templos.
- É, eles acreditam que nunca serão alvejados por essas balas - reforçou Ogum. - Creem que as chamadas balas perdidas nunca encontrarão o caminho dos seus rostos.
- Pouco adiantou termos ensinado a eles que não devemos julgar as pessoas pela aparência, mas sim pela reta justiça - acresceu Emanuel - A eles também foi dito que a paz de Deus está com os humildes e os simples de coração. Meu pai não ensinou que: "Bem-aventurados os humildes, pois eles receberão a terra por herança".
- Está em Mateus 5:5, mas eles não aprendem nada do que dizemos - aquiesceu Ogum. - Talvez devamos declarar guerra contra os injustos. Xangô e Oxóssi nos ajudariam no julgamento de cada acusado, com execução imediata da pena. O que acha Olurum?
- Você quer antecipar o Juízo Final de que Jeová tanto fala? - gargalhou Oxalá, provocando uma risada coletiva. - Corremos o risco de sobrar poucos justos vivos.
- Boa, Oxalá! - retomou Olurum. - Você lembra da mensagem deixada por Buda quando nos visitou?
- Nem todas! - respondeu Oxalá ainda humorado. - Se tem uma coisa que Sidartinha gosta de fazer é citar belas frases.
- Ele disse: "Por mais que na batalha se vença um ou mais inimigos, a vitória sobre si mesmo é a maior de todas as vitórias" - socorreu Ogum. - Olurum ainda crê que devamos acreditar na pessoa humana.
- Você também acredita, não é Ogum? - perguntou Olurum. - Todos aqui acreditam que não devemos desistir da humanidade, não é?
- Claro! - responderam, uníssimos, todos os presentes.
- Exato! É para garantir a felicidade da sociedade que existe a espiritualidade e as nossas religiões - romantizou Jaci.
- Mas é uma guerra justa e espiritual que proponho - arrematou Ogum. - Exatamente por ela sentei praça na cavalaria.
- Como assim, Jorge? - indagou Emanuel, utilizando o outro nome de Ogum.
- A luta por Justiça exige coragem, ética, bondade, organização e sacrifício, não é Emanuel? - concluiu Ogum. - Esta é a minha imagem de uma cavalaria. Ela representa que não se ganha uma batalha sozinho. É preciso o somatório de todas as forças, unidades, especializações e espiritualidades. Somente com a união de todas as religiões é que conseguiremos vencer a violência contra toda a irmandade. Unidos e esbanjando tolerância religiosa a vitória é certa. Devemos todas, todes e todos, portanto, sentarmos praça na Cavalaria da Justiça Universal.
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