- Estou muito preocupado com as coisas que estão acontecendo no
Aiyê - externou Oxalá, para a sua amiga Jaci. - Exu me contou que a
fome está se espalhando rapidamente de forma nunca vista.
- Exu, com a aquela boca que come tudo, bem entende da sensação da fome incontrolável - respondeu, descontraída, Jaci. - O que ele contou para você, meu orixá?
- Ele me contou que as pessoas estavam fazendo filas nas lixeiras dos açougues, na esperança de encontrar algum osso que contenha algum resquício de carne - esclareceu Oxalá. - O Brasil que se gaba de ter os maiores rebanhos de bovinos do mundo, não consegue reservar um pequeno pedaço para o seu povo.
- É tudo para exploração e exportação - lamentou Jaci. - As caravelas que partem da nossa Pindorama sempre exportaram as nossas riquezas e nos deixam com as migalhas. Mudaram os séculos, as pessoas e até os meios de transporte, mas o povo segue excluídos das coisas criadas por Tupã.
- Triste realidade, minha Oshupá - concordou Oxalá. - O país campeão em exportação de proteínas, não deixa nada para o consumo das pessoas que mais delas necessita.
- "Pois eu tive fome, e vocês não me deram de comer; tive sede, e vocês nada me deram para beber; fui estrangeiro, e vocês não me acolheram; necessitei de roupas, e vocês não me vestiram; estive enfermo e preso, e vocês não me visitaram" - recitou Emanuel, quebrando o silêncio em que se postara.
-
Ere-îkó-katu-pe? - espantou-se Jaci. - Não entendi nada.
-
A-îkó-katu - respondeu, Emanuel, também em tupi. - A conversa de vocês me fez lembrar em voz alta de uma conversar que tive com Mateus.
- Ah, bom! - sorriu Jaci. - Eu pensava que você não estava bem.
- E como ficar bem diante da fome na "terra em que se plantando tudo dá"? - respondeu Emanuel. - Ainda mais quando a fome não é por falta de comida, mas porque as pessoas não nos dão o que comer ou beber.
- É mesmo um absurdo o que estão fazendo, não é? - interrogou Jaci. - Mesmo Sumé, com toda a sua sabedoria divina, um dia perdeu a paciência com nossas imperfeitas criaturas.
- Exu ficou impressionado com a mensagem negativa que recebeu nos terreiros. E não é só o desprezo dos que trocam o verde do campo pelo verde dos dólares - arrematou Oxalá. - Não é que os comerciantes que jogavam os ossos descartáveis no lixo, agora resolveram vendê-los, sem dó ou piedade?
- E não apenas os ossos. Eles estão vendendo a carcaça de galinha que também era lixo - complementou Jaci. - Colocam trancas nas carnes dos supermercados ou até expõem caixas vazias com o nome carne, em que esta somente poderia ser vista depois que paga.
- Não querem que o desespero da fome possa atrapalhar o lucro - constatou, revoltado, Oxalá. - Não estão satisfeitos com os manuais e os códigos secretos que orientam a violência e as prisões de meus irmãos e irmãs que se aproximam desses Templo de Consumo?
- É a criminalização da fome e da pobreza, meu amigo! - complementou Jaci. - O meu povo sofre dessa azaração desamorosa desde 1500.
- Não sabem eles que até mesmo "O ladrão não é desprezado, se, faminto, rouba para matar a fome"? - voltou a refletir Emanuel.
- Mesmo dizendo que "Deus está acima de tudo", eles já não ligam para os provérbios de seu Pai, Emanuel - registrou Oxalá. - Xangô me contou que até prenderem uma mãe que subtraíra alguns alimentos para matar a fome de sua prole.
- Veja a dificuldade orçamentária alegada quando se trata de fixar um auxílio financeiro para quem tem fome - retomou Jaci. - Sobram recursos para os banqueiros, os rentistas, os especuladores, os que têm verbas aplicadas em paraísos fiscais, as emendas parlamentes e os capitalistas de sempre.
- Estou pensando em pedir autorização à Olorum para criar uma humanidade diferente da que criamos - refletiu Oxalá. - Já conhecemos os nossos erros. E podemos aperfeiçoar as virtudes.
-
Tupã t'-o-ikó nde irunamo! - abençoou Jaci. - E você, Emanuel?
- Nem mesmo o Filho sabe dos quereres do Pai - respondeu Emanuel. - Mas Ele já disse em Efésios que "A nossa luta não é contra os seres humanos, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais".
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