Foto: Pixabay
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Tîa nde pytuna! - saudou Jaci, ao abrir a porta lunar para Iemanjá e Oxalá. - Podem entrar! Já estamos em clima de festa.
- Você está linda, amiga! - elogiou Iemanjá. - Você sabe que fica encantadora em estado de
mytyruwy-noti, não é?
- Tenho que usar minha roupa mais elegante na passagem do ano, senão ninguém olhará para mim - sorriu Jaci. - Logo mais todas as pessoas estarão na praia, todas de branco, fazendo oferendas a você.
- Ela estava mesmo deslumbrante no ano passado, não foi? - complementou Picê. - O azul do seu vestido vibrava ao sabor dos ventos como fosse o próprio mar aconchegado em seu corpo. Acho que escutei Yorixiriamori se dizer apaixonado por você naquela noite.
- Somente a deusa da poesia para criar esse de saboroso
nhenhenhém - gargalhou Iemanjá. - Mas eu tenho que caprichar mesmo, a concorrência é muito grande.
- Ainda que venhas a andar pelo vale da sombra da morte, não temerias mal algum - brincou Emanuel, parodiando os Salmos 23:4. - Ninguém em sã consciência ousaria desafiar a Rainha do Mar.
- Até tu, Emanuel! - retrucou, vaidosa, Iemanjá. - Nada como a despedida de um ano para renovar o humor de todos nós.
- "O coração alegre serve de bom remédio" - concordou Emanuel.
- Emanuel e seus providenciais provérbios - brincou Confúcio. - Mas é realmente impressionante o infinito poder rejuvenescedor dessa fração de segundo que separa o ano velho do novo. Tudo se torna novo, alegre e festivo, fazendo da noite a apoteose da nossa humana criação, com o céu enfeitado por feixes de luzes criados por elas mesmas.
- E se permanece algum resquício de velhice nesse mágico momento é, sem dúvida, a anual operação plástica a que se submete a anciã esperança da humanidade - anotou Açuti.
- Até mesmo as nossas decepções, como ter o ano que se despede permanecido igualzinho ao que passou, não são suficientes para pôr água em nosso chope - interveio o experiente Exu. - O ano novo embebeda com a cachaça da esperança o mais abstêmio dos corações.
- É esta porção inebriante que nos faz recém-nascidos em planos e perspectivas - complementou Oxumarê. - E nos faz prometer que engatinharemos na busca da realização de cada sonho projetado.
- Ver florescer o namoro ainda não cultivado pela ausência da coragem do plantio - romantizou Ceuci. - E esperançar para que cresça fértil no imenso jardim do novo tempo.
- Neste mesmo caminho, a mudança do ano é o momento oportuno para reencarnarmos em nós mesmos - iluminou Buda. - Aproveitarmos para desengavetar empoeirados sonhos, inserindo-os no reiniciar da vida.
- Um cacique até me pediu inspiração para retomar os estudos sobre a sua etnia - apontou Sumé. - E arrematou em seu argumento: agora que os curumins cresceram está livre para outros desafios.
- O cacique tem a mais absoluta razão - reforçou Maomé. - "Quem busca o conhecimento e o acha, obterá dois prémios: um por procurá-lo, e outro por achá-lo. Se não o encontrar, ainda restará o primeiro prémio"
- Acho engraçado quando as nossas criaturas dizem que para ser alguém é necessário plantar uma árvore, ter filhos ou publicar um livro - sorriu Ganesha. - Não percebem que essas não são as únicas opções de vida? Que todas as opções são válidas, todos os projetos são viáveis e todos os sonhos são realizáveis?
- É verdade que "ninguém pode voltar atrás e fazer um novo começo - prosseguiu Chico Xavier. - "Mas qualquer um pode recomeçar e fazer um novo fim".
- Preparem-se! Escutaremos promessas de mudanças das mais variadas formas em nossos templos ou na solidão do "eu" - lembrou Oxalá. - Devemos escutá-las, mas também os lembrar de que elas são as principais responsáveis pelas coisas terrenas.
- Devemos dizer que não adianta ficar cantando mecanicamente aquela velhíssima canção global de que "hoje é um novo dia, de um novo tempo, que começou nesses novos dias, as alegrias serão de todos" - concordou Tomás de Aquino. - Se nada se faz para acontecer cada mudança, os que desprezam o bem fazem o mal por e para nós. Eu mesmo já adverti que não só de reza vive a nossa inquietação, mas também de resistência, perseverança e coragem para mudar.
- E se a evolução faz parte da vida das nossas criaturas, o significado da palavra "ano novo" não deveria ser entendido apenas como sendo o de festa ou feriado universal - prosseguiu Jaci no argumento. - A busca da mudança é que faz a grande diferença. Mudar é questão de atitude, não apenas questão de desejo. Atitude e desejo podem ser o novo, o nosso novo ano.
- E para que o novo ano aconteça devemos nos unir contra a maldade governante - concluiu Oxalá, puxando Emanuel e Jaci para um grande abraço coletivo. - Independentemente das nossas religiosidades, espiritualidades e formas de pensar, devemos nos unir para combater o ódio e promover o amor.
- Não esqueçamos de agradecer a todas, todes e todos que acompanharam os nossos encontros e se tornaram cúmplices de nossas Parábolas - lembrou Jaci. - Sem elas não teríamos ânimo para iluminar com palavras, gestos e exemplos essa terrível quadra do tempo que atingiu a nossa Pindorama.
- Alegrai-vos! - assentiu Emanuel, agora em um abraço que unia todas as espiritualidades presentes. - Nós nunca desistiremos da humanidade!
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