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Gisele Agnelli
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ECONOMIA E AUTORITARISMO
4/4/2025 | Atualizado às 12:03
No dia 2 de abril de 2025, Donald Trump, assinou uma ordem executiva que impõe tarifas de pelo menos 10% sobre praticamente todos os produtos importados. Em seu discurso em tom triunfante, transmitido ao vivo da Casa Branca, proclamou o início de uma nova era: o "Dia da Libertação Econômica dos Estados Unidos". Para os aliados, um gesto de força. Para os críticos, uma marcha rumo ao colapso econômico e institucional. Para mim, para além das novas tarifas, dos números anunciados, o que está em jogo não é apenas uma nova configuração política comercial norte-americana: é a substituição da racionalidade econômica pela estética do ressentimento.
Trump insiste numa visão econômica datada, calcada na nostalgia de uma América industrial que já não existe. A fantasia de um país rico por meio de fábricas "soltando fumaça pelas chaminés" pertence ao passado, não ao futuro. Hoje, mais de 80% dos empregos nos EUA estão no setor de serviços. A manufatura representa menos de 10% da força de trabalho não agrícola. A economia norte-americana, como as demais economias avançadas, já migrou para setores de alto valor agregado como software, finanças, entretenimento e tecnologia verde. Insistir no resgate da indústria via tarifas é tentar remar contra a maré da história. Todavia, Trump não governa com base numa política econômica racional.
No discurso, Trump não poupou retórica bélica: os EUA teriam sido "saqueados, estuprados, pilhados". Usar o verbo "raped" para falar de comércio internacional ultrapassa o campo econômico, trata-se de uma tentativa deliberada de produzir um trauma coletivo. É o comércio transformado em campo de batalha. O parceiro comercial vira inimigo. O outro, sempre estrangeiro, é o culpado. Esse tipo de retórica é típica de regimes autoritários que alimentam a população com medo, não com fatos. É também o mesmo expediente que leva a guerras comerciais, aumento de preços, recessão e desemprego. Como alertou Paul Krugman, "o protecionismo de Trump não é apenas ineficaz é regressivo. Ao encarecer produtos importados e desencadear retaliações, os EUA arriscam perder competitividade justamente nos setores onde ainda têm vantagem: os serviços de alta complexidade". De fato, mais de 80% dos empregos americanos hoje estão no setor de serviços, e não na manufatura que representa menos de 10% da força de trabalho. Os Estados Unidos exportam software, entretenimento, finanças e inovação, não aço ou automóveis em sua maioria. A proposta de Trump ignora essa realidade e tenta ressuscitar um modelo que já morreu, de "fábricas fumegantes do passado".
Sob o slogan de "Make America Wealth Again", "Fazer a América rica novamente", Trump ignora décadas de evolução econômica global. Em sua cruzada protecionista, transforma relações comerciais em batalhas ideológicas, culpabiliza o mundo pelo que chama de "pilhagem industrial" e, sobretudo, tenta reviver uma economia que já não existe, sob a sedutora ideia que permeou sua campanha presidencial "O sonho americano está de volta", e que se mostrou eficaz também com os eleitores latinos.
A retórica do "renascimento da indústria americana" é sedutora para trabalhadores que se sentiram abandonados pela globalização, os eleitores Blue collars. No entanto, trata-se de uma nostalgia econômica eleitoral-populista, que rejeita a complexidade das cadeias globais de valor, o papel da interdependência comercial e o avanço das economias de conhecimento. Ao isolar-se da concorrência, um país não ganha força: estagna e perde competitividade. O Japão dos anos 1990 é um bom exemplo: afundou em uma longa crise ao insistir em proteger sua indústria com subsídios e tarifas elevadas.
Embora tenha recebido a menor alíquota no novo pacote tarifário de Trump (10%), é importante ressaltar que os Estados Unidos têm balança comercial superavitária com o Brasil (em 2023 o superávit foi de aproximadamente 12 bilhões de dólares, US Census Bureau) fato que desmonta parte da narrativa "recíproca" usada por Trump para justificar as novas tarifas. O Brasil já pratica tarifas médias elevadas (7,3%, segundo o Banco Mundial), e agora encontrará uma porta menos aberta nos Estados Unidos. Para o agronegócio e a indústria brasileira, isso significa incerteza, volatilidade e pressão sobre os preços. A ironia é que o Brasil, que flertou com Trumpismo tropical, agora enfrenta seus custos econômicos.
Não podemos analisar esse pacote tarifário como mera política econômica. O anúncio performático de Trump, com linguagem de guerra ("our country has been raped and plundered" "nosso país foi estuprado e saqueado") e com o apelo à "reciprocidade" como código para retaliação, carrega o DNA do autoritarismo. O que está em jogo não é só o comércio internacional, mas a transformação da economia em arma ideológica um método clássico de regimes autocráticos. Entretanto o que ele oferece é uma promessa populista: fábricas que não voltarão, empregos que não existem mais e uma identidade nacional construída sobre exclusão, ressentimento e medo do "outro". Se os Estados Unidos persistirem nesse caminho, podem não apenas prejudicar sua própria economia, mas desencadear um efeito dominó de protecionismo global.
Mais do que um plano econômico, o discurso de Trump no "Dia da Libertação Econômica" foi uma performance política autoritária. Ele não falou como um gestor da economia, mas como um líder em guerra, convocando sua base para uma cruzada contra inimigos invisíveis a China, o México, a globalização, os imigrantes..... O uso de termos como "saque" e "estupro econômico" não é acidental: é uma tentativa calculada de provocar horror moral, de criar um senso de violação nacional que exige retaliação. Ao transformar o comércio em campo de batalha e a política fiscal em vingança, Trump desloca o debate econômico para o campo da emoção, do ressentimento, da identidade ferida. Seu projeto não é apenas proteger empregos, é restaurar uma ordem simbólica em que o "verdadeiro americano" (branco, operário, patriota, nacionalista)... volta ao centro da narrativa. É essa violência narrativa, da perseguição, da intolerância e não apenas as tarifas, que representa um grande risco.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br
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