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Gisele Agnelli
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ESTADOS UNIDOS
02/03/2025 | Atualizado às 10h58
Na primeira reunião de gabinete do segundo mandato de Donald Trump, a presidência dos Estados Unidos assumiu um tom inédito: um espetáculo político, um reality show corporativo e um experimento de poder informal. Sentado ao centro da mesa, Trump deu a palavra a Elon Musk, em pé, sem cargo oficial no governo e vestindo uma camiseta com os dizeres assessoria técnica, ditou os rumos da reunião.
A presença de Musk, o único além de Trump a falar na reunião, escancarou a nova hierarquia de comando: um bilionário sem cargo formal, mas com influência direta sobre a máquina pública. Seu papel como consultor independente foi uma manobra para evitar exigências legais que o forçassem a se afastar de seus negócios. Mas a realidade é que Musk já exerce um nível de autoridade sem precedentes sobre o governo federal.
O foco da reunião foi o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), controlado por Musk, que já eliminou mil contratos federais e iniciou um corte massivo na força de trabalho do governo. O memorando discutido na reunião estabeleceu um princípio claro: reduzir o funcionalismo ao limite máximo permitido por lei e eliminar funções não obrigatórias.
Em um movimento que gerou forte reação, Musk enviou um e-mail aos funcionários federais exigindo que respondessem listando cinco tarefas realizadas na semana anterior. O bilionário ainda afirmou publicamente que o não envio da resposta seria interpretado como uma renúncia ao cargo. Esse método, descrito como ambiente traumático intencional, foi denunciado por especialistas como uma tentativa de forçar demissões voluntárias, enfraquecendo a burocracia tradicional e substituindo funcionários de carreira por leais ao governo.
A crescente influência de Musk levanta questões jurídicas sérias. Ele não faz parte do gabinete, não tem cargo oficial e não se desvinculou de seus negócios, que incluem empresas diretamente beneficiadas por contratos governamentais como Tesla, Starlink e a plataforma X.
A forma como foi acomodado no governo, sem salário, mas com poder decisório, representa um conflito de interesses sem precedentes. A reunião e o show midiático também acontecem num momento em que a popularidade de Musk não está em alta, segundo pesquisa do Washigton Trump/ Ipsos, realizada entre 13 e 18 de fevereiro 49% dos americanos desaprovam a performance de Musk no Governo, contra 34% que aprovam.
Trump justificou os cortes classificando a máquina pública como inchada, gorda e nojenta. No entanto, dados históricos desmontam esse argumento. Como destaca Elizabeth Linos, professora da Harvard Kennedy School* e diretora do The People Lab, que pesquisa formas de recrutar, reter e apoiar a força de trabalho do governo e integrar a formulação de políticas baseadas em evidências, em entrevista à NPR.
Linos: Existe uma percepção generalizada de que a folha de pagamento do setor público está inflada não apenas ineficiente, mas simplesmente grande demais. Mas se olharmos para os números, o tamanho da força de trabalho federal permaneceu relativamente constante desde os anos 1960, mesmo com o crescimento da população dos EUA e o aumento das expectativas sobre o que o governo deve fazer. Hoje, temos um pouco mais de 2 milhões de funcionários federais, e esse número praticamente não mudou ao longo do tempo.Se analisarmos o orçamento, também não vemos um aumento significativo na folha de pagamento pública. Na verdade, o orçamento para esses trabalhadores representa cerca de 6% do orçamento federal. Em um governo que gasta entre 6 e 7 trilhões de dólares por ano, essa parcela não pode ser considerada um inchaço, nem em termos de número de funcionários, nem em orçamento. No entanto, essa crença persiste em várias administrações, tanto republicanas quanto democratas
Qual tem sido a postura do governo Trump e seus apoiadores em relação ao serviço público?
Linos: É difícil entender exatamente as crenças por trás dessas ações. Mas, no discurso público, há um desprezo sistemático pelos servidores de carreira, principalmente pelos que estavam no governo antes e que, teoricamente, continuarão depois desta administração. Em alguns aspectos, isso nos remete ao século 19, quando se esperava que os funcionários públicos fossem leais ao presidente. O que vemos agora são discursos e iniciativas, tanto do DOGE quanto de outros membros do governo Trump, que deslegitimam e atacam os servidores públicos
Por fim, qual é o maior risco desse processo?
Linos: O maior perigo não é apenas a perda de empregos, mas a substituição de funcionários de carreira por leais políticos. Isso representa uma ameaça real à democracia e ao profissionalismo no serviço público
Trump e Musk são hoje os dois homens mais poderosos dos Estados Unidos um legitimado pelas urnas, o outro pelo dinheiro. Ambos compartilham a crença de que riqueza equivale a competência e que problemas complexos podem ser resolvidos com soluções simplistas e autoritárias. Enquanto Trump governa com o instinto do showman, Musk traz sua visão de Vale do Silício, onde cortes brutais e decisões unilaterais são exaltadas como eficiência. Mas a administração pública não é uma empresa privada, um desastre na Casa Branca pode deixar milhões de cidadãos vulneráveis sem serviços essenciais.
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