Alegando falta de transparência pública, associação pede que STF suspenda e reformule sistema de transferência das emendas PIX. Foto: Antonio Augusto/SCO/STF
Em 21 de março de 2024, o STF
concluiu o julgamento da ADI 2.110, ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). A ADI 2.110 foi ajuizada em 1º dezembro de 1999, ou seja, apenas cinco dias após a sanção da
Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999.
Trata-se da lei que instituiu o "fator previdenciário" e ampliou o período básico de cálculo dos benefícios previdenciários, visto que a
Emenda Constitucional nº 20, de 1998, suprimiu do texto constitucional a previsão de que as aposentadorias seriam calculadas com base nos últimos 36 salários de contribuição.
Com a nova lei, duas regras foram estabelecidas: uma, de caráter geral e permanente.
"Decisão se acata", diz Carlos Lupi sobre decisão do STF
No art. 29, II da
Lei nº 8.213, de 1991, foi previsto que, para os benefícios de aposentadoria por idade e tempo de contribuição, o salário-de-benefício consistiria na média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário.
Já o 3º artigo da lei fixou a regra de aplicação para os segurados filiados até 28/11/1999. Para esses, a regra era de que no cálculo do salário-de-benefício será considerada a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, oitenta por cento de todo o período contributivo decorrido desde a competência julho de 1994.
A delimitação de uma data a partir da qual seriam considerados os salários de contribuição, assim, revelava-se anti-isonômica e poderia levar a resultados diferenciados. Em razão dessa antinomia, o STF, no exame do Recurso Extraordinário nº 1.276.977, com repercussão geral, e julgado em 21/12/2022 - há pouco mais de 15 meses, portanto - adotou a Tese no Tema 1.102 de que o segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26 de novembro de 1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais introduzidas pela EC em 103/2019, que tornou a regra transitória definitiva, tem o direito de optar pela regra definitiva, acaso esta lhe seja mais favorável."
Nenhum reparo há que se fazer a essa decisão, pois ela - diante de duas soluções possíveis - reconheceu o direito do segurado à regra mais benéfica, pois se, para os antigos segurados, que até então teriam seus benefícios calculados com base nos últimos 36 salários, se previa a aplicação da regra com base nos salários a partir de julho de 1994, seria permitido, para os novos, usar os salários de toda a vida ativa e contributiva. Assim, o que o STF decidiu foi que, tanto para novos quanto antigos segurados, cujos direitos foram adquiridos até novembro de 2019, seria possível a aplicação da regra geral, sem prejuízo da nova regra, se mais benéfica.
Essa sistemática tem sido adotada em todas as "reformas previdenciárias", desde a EC 20, de 1998. A regra nova e a regra "de transição", são aplicadas a todos, cabendo ao beneficiário optar pela que mais lhe seja benéfica.
Ocorre que, numa guinada jurisprudencial, o STF, ao apreciar a impugnação da constitucionalidade da Lei nº 9.876, como um todo, e notadamente da elevação do período básico de cálculo por lei ordinária, em razão da ofensa ao princípio da vedação do retrocesso social que isso representaria, acabou por decidir que o art. 3º, que fixa a regra para os antigos segurados, deve ser aplicado a todos os casos por ele alcançados.
Na sessão de 21/3/2024, ao concluir o exame do tema - com enorme atrasado, ressalte-se - a Corte adotou o entendimento de que a Lei 9.876, apesar de tudo o quanto argumentado, é constitucional quanto ao aumento do período básico de cálculo das aposentadorias, assim como é constitucional o "fator previdenciário", que reduz (ou aumenta, em casos excepcionais) o benefício com base na expectativa de sobrevida do segurado e seu tempo de contribuição e idade, e considerou que o art. 3º da Lei nº 9.876/1999 tem "natureza cogente, não tendo o segurado o direito de opção por critério diverso".
Nesse ponto, restaram vencidos os ministros Alexandre de Moraes, André Mendonça, Edson Fachin e Cármen Lúcia, e foi fixada a seguinte tese de julgamento: "A declaração de constitucionalidade do art. 3º da Lei 9.876/1999 impõe que o dispositivo legal seja observado de forma cogente pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública, em sua interpretação textual, que não permite exceção. O segurado do INSS que se enquadre no dispositivo não pode optar pela regra definitiva prevista no artigo 29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/91, independentemente de lhe ser mais favorável".
A Corte, porém, acatou a inconstitucionalidade da exigência de carência para a fruição de salário-maternidade, prevista no art. 25, inc. III, da Lei nº 8.213/1991, na redação dada pelo art. 2º da Lei nº 9.876/1999. Nos termos dessa norma, passou a ser exigido um período mínimo de contribuições correspondente a 10 meses antes do início do gozo do benefício, para que as seguradas contribuintes individuais e trabalhadoras rurais em regime de economia familiar, qualificadas como seguradas especiais no inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, pudessem fazer jus ao salário-maternidade.
Até então, assegurava-se às seguradas o direito ao salário-maternidade independentemente de carência, em observância ao art. 7º, XVIII da CF, que garante às trabalhadoras urbanas e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, o direito à licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário. E o art. 39 da Lei nº 8.213, em seu parágrafo único, acrescentado pela Lei nº 8.861, de 25 de março de 1994, garantiu à segurada especial a concessão do salário-maternidade, desde que comprove o exercício da atividade rural nos doze meses anteriores ao do início do benefício.
Nesse ponto, portanto, o STF reconheceu quebra de isonomia, e afastou a exigência da carência.
Todavia, é grave a mudança de orientação jurisprudencial quanto ao cálculo do benefício pela "vida toda".
Em seu voto, o ministro Edson Fachin, embora não declarasse a inconstitucionalidade das regras fixadas pelo art. 29 da Lei 8.213, e pelo art. 3º da Lei 9.876, considerava que esse julgamento não prejudicaria o decidido no Tema 1.102 da Repercussão Geral. Assim, permaneceria garantido o direito à opção pela situação mais vantajosa. Embora esse entendimento tenha sido acompanhado pela ministra Carmen Lucia e pelos ministros Alexandre de Moraes e André Mendonça, o entendimento que prevaleceu, a partir do voto do ministro Cristiano Zanin, representa uma reviravolta incompreensível e com grande impacto social, mas prejudicial ao direito dos segurados.
Estamos falando, é claro, de algo que retroage a 1999, ou seja, há mais de 24 anos, e que afetaria milhões de situações já constituídas: benefícios que, nesse período, foram concedidos com base no referido art. 3º. Quando apreciou o Tema 1.102, ao final de 2022, o STF já tinha esse elemento a considerar. E estima-se que os impactos financeiros do cálculo "pela vida toda" poderiam chegar a R$ 480 bilhões, pois benefícios já concedidos precisariam ser recalculados e, ademais, muitas das ações judiciais que aguardavam o desfecho do caso teriam efeitos retroativos.
Ao decidir contra a sua própria jurisprudência, e
ultra petita, o STF mostrou-se sensível aos argumentos fiscais, mais do que jurídicos, e consolidou um retrocesso social de amplas repercussões, abrindo, inclusive, caminho para convalidar outras tantas medidas com o mesmo sentido, concretizadas na EC 103, de 2019 - a "reforma previdenciária" de Jair Bolsonaro e
Paulo Guedes.
É preocupante ver que o STF, mudando de entendimento sem que haja fundamentação jurídica sólida para tanto, e em curto prazo de tempo, contribui para o seu descrédito, e aumenta a desconfiança de toda a sociedade sobre a atuação do Poder Judiciário.
A segurança jurídica, nesse caso, resta duplamente abalada: primeiro, pela demora no julgamento, visto que a ADI 2.110 foi ajuizada em dezembro de 1999; segundo, pela mudança, despropositada e sem fundamento, do entendimento que a própria Corte, sob o voto do ministro Alexandre de Moraes, adotou há apenas 15 meses. Ao adotar, na ADI 2.110, entendimento que não se refere ao pedido pelos autores, contrariou, gravemente, o disposto nos art. 141 e 492 do Novo Código de Processo Civil, segundo os quais o juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte, e é vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida.
Pela relevância e complexidade do tema, a ADI 2.110 deveria ter sido debatida publicamente, em sessão presencial, mas o julgamento ocorreu no plenário virtual do STF. Esse é outro problema a ser analisado: se, no Congresso Nacional, certas matérias não podem ser decidas sem o crivo do plenário das suas Casas, também temas dessa natureza não poderiam ser deliberados sem o exame e debate pelo plenário do STF, em vista do interesse público envolvido.
Cabe, em nosso entender, o ajuizamento de embargos de declaração, com efeitos modificativos, posto que há evidente contradição entre o ora decidido e o que foi debatido no Tema 1.102, e o julgamento da ADI 2.110 não aprofundou essa questão.
Trata-se, contudo, de tarefa que caberá aos atuais advogados dos Partidos signatários da Ação, em prol do que era, desde que ajuizada, o seu objetivo: a preservação de direitos dos segurados do INSS e a vedação do retrocesso social.
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