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MUNDO
15/4/2025 12:32
A administração Trump-Vance baseada em seu projeto de refundação norte-americana nomeada Project 2025 tem por principal objetivo reverter regulações ambientais e climáticas federais nos Estados Unidos. A política ambiental dos Estados Unidos tem oscilado significativamente nas últimas décadas, especialmente nas transições entre administrações democratas e republicanas.
O desmonte dos últimos 90 dias foi recorde, com mais de 50 ordens relativas a extinguir alguma organização ou política ambiental climática. Elas vão de utilizações prosaicas como ordenar a remoção de estações de carregamento em instalações federais até ordens que desafiam o federalismo potente que vige nos EUA, como a ordem de 2 abril 2025, que derrubou as isenções ambientais estaduais, como as concedidas pelo estado da Califórnia. Também na resolução do dia 02 abril, foi apresentada a ideia de anular toda a legislação ambiental mais rigorosa de estados como Califórnia e Washington.
No setor de produção mineral as ordens executivas revogaram diretrizes que limitavam a extensão de autorizações para exportação de gás (02 abril), além de diversos padrões de eficiência energética que estavam estabelecidos e foram ou adiados ou propostos para retirada (20 e 24 de março). O Presidente Trump ordenou a expansão imediata da produção mineral doméstica (20 de março), ignorando regulações ambientais pré-existentes.
Nos setores financeiro e jurídico (31 de março) se retirou sua participação em diretrizes interagências sobre riscos climáticos financeiros. Além de se abandonar a defesa legal de regras de divulgação climática (27 de março).
Ambientalmente houve reversões em proteções consolidadas nas políticas das cidades e se deixou de aplicar o Padrão Federal de Gestão de Riscos de Inundações (25 de março).A EPA (principal órgão ambiental americano) iniciou processo para conceder isenções a poluidores regulados pelo Clean Air Act 112 (24 de março). A EPA também anunciou revisão de 31 regulações climáticas, possível reversão da constatação de risco climático de 2009 e término de iniciativas de justiça ambiental (12 de março).
Em 4 de março, o Tesouro norte americano notificou a ONU sobre a retirada dos representantes dos EUA do Fundo de Perdas e Danos, comprometendo o apoio internacional a países vulneráveis, e inviabilizando uma solução financeira forte na próxima COP30, cujo tema principal será a construção justamente deste financiamento em números mais ambiciosos que os trazidos pela COP29, realizada em Baku em novembro de 2024, O Fundo de Perdas e Danos da ONU acumulou aproximadamente US$ 759 milhões em promessas de financiamento, valor abaixo das necessidades estimadas. Projeções indicam que as perdas e danos relacionados ao clima podem atingir entre US$ 290 bilhões e US$ 580 bilhões por ano até 2030.
No dia 9 de abril de 2025, Donald Trump assinou mais uma de suas ordens executivas com nome de marketing e essência desmanteladora: Zero-Based Regulatory Budgeting to Unleash American Energy. Apresentada como política de racionalização e inovação, a medida exige que agências federais passem a revisar e potencialmente revogar suas regulamentações sobre energia como se estivessem começando do zero. O objetivo declarado: libertar o potencial energético americano. O objetivo real: sufocar o Estado regulador sob uma avalanche de confusão, pressão e incerteza jurídica.
Mas há um problema ou melhor, muitos. A começar pelo mais básico: a própria Seção 5(c) da ordem executiva prevê que esta ordem não se aplicará a regimes de permissão regulatória autorizados por estatuto. O detalhe é que quase todas as regulações ambientais e energéticas operam exatamente sob regimes de permissão autorizados por estatutos federais. Mais ainda: a ordem executiva lista explicitamente esses estatutos como o Atomic Energy Act, Energy Policy Act, Clean Air Act, entre outros , reconhecendo, de forma implícita, que esses regimes existem porque a legislação os exige.
Como resumiu com precisão o professor Michael Gerrard, da Columbia Law School em um evento de juristas: Parece-me que cada um dos regimes que permitem o assunto é autorizado por estatuto, e a ordem de fato lista os estatutos. A Seção 5(c) não apaga essencialmente o resto do pedido? Sim, professor. Apaga ou, pelo menos, esvazia. Porque mesmo que houvesse algum regulamento que de alguma forma escapasse dessa exclusão, sua revogação exigiria o cumprimento da Administrative Procedure Act (APA), além de, em muitos casos, gatilhos legais adicionais como a NEPA (National Environmental Policy Act). Ou seja, seria necessário um procedimento técnico e jurídico robusto com análises de impacto, audiências públicas, justificativas formais. O detalhe? O próprio governo Trump está demitindo boa parte do quadro técnico dessas agências. É a tentativa de destruir a máquina pública e, ao mesmo tempo, pedir que ela funcione sem óleo, sem motor, sem volante.
Mais que redundante, a ordem é interna e juridicamente contraditória. Muitos dos regulamentos que ela tenta submeter a expiração não apenas são autorizados por lei são exigidos por lei. Revogá-los, portanto, não seria apenas ilegal, mas inconstitucional. O que temos aqui não é uma política pública coerente. É mais um capítulo na longa novela trumpista de instrumentalização das ordens executivas como espetáculo político e confusão regulatória deliberada. No entanto, isso não significa que ela seja inofensiva. Ao criar um ambiente de instabilidade institucional e paralisia regulatória, Trump atinge seus objetivos reais: fragilizar a autoridade das agências técnicas, enfraquecer a fiscalização ambiental e empurrar a política energética para os interesses fósseis de curto prazo. A ordem serve menos para eliminar normas e mais para amedrontar os reguladores, afugentar investimentos sustentáveis e preparar o terreno para a captura corporativa das decisões públicas.
A retórica do orçamento regulatório base zero é, portanto, uma farsa tecnocrática que embala um projeto autoritário: deslegitimar o Estado protetor, confundir o público e desmantelar a governança ambiental por dentro. Como bem resumiu Gerrard, talvez essa ordem não realize nada além de causar confusão. Mas no governo Trump, causar confusão não é um efeito colateral é a política em si. Quase todas essas ordens executivas são redigidas com a mesma linguagem na medida permitida por lei, mas o objetivo real no entanto é tão somente o de desestabilizar a capacidade e a confiança nas instituições públicas.
Referências:
Climate Backtracker, Sabin Center for Climate Change Law, Columbia University. Acesso em abril de 2025.
The New Yorker. "The Second Trump Administration Takes Aim at the Climate." 2025.
U.S. Federal Register. Diversas publicações oficiais entre março e abril de 2025
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