Publicidade
Publicidade
Receba notícias do Congresso em Foco:
TENTATIVA DE GOLPE
14/4/2025 10:17
Em primeiro lugar, é importante destacar que, quando falamos de PL da Anistia, estamos tratando de uma série de projetos de lei, propostos por diversos parlamentares em momentos distinto. São ao menos oito projetos de lei que hoje tramitam em conjunto na Câmara dos Deputados, apensados ao PL 2858/2022, de autoria do ex-deputado Major Vitor Hugo (PL-GO).
De fato, é nesse PL 2858/2022, o mais antigo, onde estão apensados os demais projetos de lei e é em relação a ele que a bancada bolsonarista recolhe assinaturas para a tramitação em regime de urgência.
Os projetos de lei apensados a ele são o PL 2954/2022, de autoria do deputado José Medeiros (PL-MT); o PL 3312/2023, de Adilson Barroso (PL-SP); o PL 2162/2023, de autoria de 32 deputados do Republicanos e do PL, encabeçado por Marcelo Crivella (Republicanos-RJ); o PL 5643/2023, do Cabo Gilberto Silva (PL-PB); o PL 5793/2023, dos deputados Delegado Ramagem (PL-RJ), Mario Frias (PL-SP), André Fernandes (PL-CE), Mauricio Marcon (Podemos-RS) e Pr. Marco Feliciano (PL-SP); o PL 1216/2024, de Helio Lopes (PL-RJ), e o PL 4485/2024, de Marcos Pollon (PL-MS).
A análise dos textos desses projetos de lei é indispensável para se assentar o debate que hoje é incensado pela bancada bolsonarista no Congresso Nacional e para nortear a opinião pública e os próprios congressistas sobre o que se propõe anistiar e a quem beneficiaria essa anistia.
Embora com objetivos muitas vezes congruentes, cada projeto de lei tem suas abrangências próprias e acabam por anuviar a compreensão do que, de fato, pode ser objeto de deliberação no Congresso Nacional.
Entendemos que tal dissecção é extremamente relevante, pois a pauta da anistia tem sido defendida pela ala bolsonarista, por meio da alegação de que ela se destinaria a coibir excessos do Supremo Tribunal Federal, nos processos relativos aos participantes das depredações do 8 de janeiro, que invadiram, danificaram e saquearam os prédios dos Três Poderes na Esplanada do Ministério. A análise pormenorizada do texto dos projetos demonstra de que não é apenas disso que se trata.
Trata-se de beneplácitos que suplantariam em muito os condenados do 8 de janeiro e atingiriam casos que ainda não foram julgados e que impediriam novas investigações e que desmontariam a própria estrutura de defesa do Estado Democrático de Direito, prevista em Lei.
Vejamos, portanto, do que trata cada um dos projetos:
PL 2858/2022, de autoria do Major Vitor Hugo
O art. 1º, do PL 2585/2022, prevê que Ficam anistiados manifestantes, caminhoneiros, empresários e todos os que tenham participado de manifestações nas rodovias nacionais, em frente a unidades militares ou em qualquer lugar do território nacional do dia 30 de outubro de 2022 ao dia de entrada em vigor desta Lei. Observe-se que o texto anistia qualquer tipo de manifestação, mas traça um lapso temporal que coincide com os atos terroristas que se iniciaram a partir da eleição do presidente Lula.
É de se destacar que os parágrafos primeiro e segundo propõem, respectivamente, que a anistia de que trata o caput compreende crimes políticos ou com estes conexos e eleitorais e consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.
Na mesma linha, o art. 3º dispõe que a anistia de que trata esta Lei atinge também as restrições de direitos de quaisquer naturezas ou finalidades impostas pela Justiça Eleitoral ou Comum em decorrência de processos ou inquéritos de qualquer forma relacionados ao descrito no Art. 1º , em especial, as que se voltem contra a livre manifestação do pensamento, a imunidade material parlamentar quanto a opiniões, palavras e votos, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, seja em manifestações populares, em entrevistas, em debates, em apresentação de programas jornalísticos, nas redes sociais e outros veículos publicados na rede mundial de computadores (internet) ou em qualquer outro meio.
Fica bastante evidente que tais dispositivos não têm qualquer relação com manifestações políticas, mas sim com decisões da Justiça Eleitoral que impuseram sanções por abuso de poder político durante as eleições de 2022. Trata-se de previsão que tem claro objetivo de sustar a decisão que tornou inelegível ex-presidente Jair Messias Bolsonaro.
Outro dispositivo talhado para um caso específico é do 6º, do art. 1º, do projeto. Segundo a proposição, a anistia de que trata o caput abrange também crimes supostamente cometidos ao se ingressar em juízo e as consequentes condenações por litigância de má-fé em processos de cunho eleitoral relacionados ao pleito presidencial de 2022. É fácil compreender que mencionada disposição tem o claro objetivo de se eximir a multa de R$ 22.991.544,60, aplicada pelo TSE ao Partido Liberal por litigância de má-fé.
PL 2954/2022, de José Medeiros
O projeto tem escopo e abrangência bastante coincidente com os do PL 2585/2022.
O art. 2º, do PL 2954/2022 *, dispõe que fica concedida anistia, nos termos do art. 48, VIII, da Constituição Federal, a todos aqueles que, no período entre 1º de junho de 2022 até a data de entrada em vigor desta Lei, tenham se manifestado, por meio de atos individuais ou coletivos, ou tenham financiado ou participado de tais manifestações e protestos, relacionados às eleições de 2022 e temas a ela pertinentes.
Já o art. 3º, do projeto, traz disposições ** que abrangem também sanções aplicadas pela Justiça Eleitoral, como a da inelegibilidade.
Uma peculiaridade do PL é a inserção do art. 4º, no qual se propõe que o abuso de autoridade ou crime de responsabilidade cometido por autoridades exclusivamente judiciais são excluídos da anistia de que trata esta Lei.
Ao circunscrever a exclusão a autoridades exclusivamente judiciais, deixa-se claro o intuito de constranger autoridades judicantes que possam estar envolvidas na persecução dos crimes cometidos.
PL 2162/2023, de Marcelo Crivella e outros
O projeto com escopo e abrangência também bastante coincidente com os anteriores.
Traz apenas uma disposição específica sobre medidas cautelares no seu art. 2º, no qual se propõe que a anistia de que trata esta Lei abrange quaisquer medidas de restrições de direitos, inclusive impostas por liminares, medidas cautelares, sentenças transitadas ou não em julgado que limitem a liberdade de expressão e manifestação de caráter político e/ou eleitoral, nos meios de comunicação social, plataformas e mídias sociais.
O dispositivo impediria, por exemplo, a ação da Justiça Eleitoral no caso de publicações abusivas em redes sociais. Na prática, significaria a restrição de qualquer tipo de controle jurisdicional sobre crimes e ilícitos cometidos por meio de redes sociais de cunho político.
PL 3312/2023, de autoria de Adilson Barroso
Com texto e abrangência coincidente com os projetos anteiros, o PL 3312/2023, traz disposição sobre anistia a todos aqueles que, no período das eleições de 2022 tenham praticado atos que sejam investigados ou processados sob a forma de crimes de natureza política e eleitoral (art. 1º), sobre os efeitos das condenações da Justiça Eleitoral (Art. 2º) e à multa por litigância de má-fé imposta pelo TSE (art. 1º, 5º).
No 3º, o PL especifica que consideram-se relacionados os fatos praticados pelas autoridades do Poder Judiciário e suas funções, que violem o devido processo legal ou a ofensa à independência do Poder Legislativo e Pode Executivo, previsão aberta que permitiria a revisão de qualquer decisão do Poder Judiciário que fosse considerada ofensivas à atribuição dos demais poderes.
Trata-se de cláusula preocupante além de notoriamente inconstitucional já que o 2º dispõe que caso ocorra o descumprimento desta lei, será caracterizado como abuso de autoridade, nos termos do art. 27 da Lei no 13.869, de 5 de setembro de 2019, nos casos em que decorra a instauração de procedimento investigatório referente aos fatos caracterizados no caput.
Em resumo, além da anistia criminal e eleitoral, o projeto constrange a atuação do Poder Judiciário, impedindo sua atuação de qualquer forma aos fatos relacionados a manifestações golpistas de 2022-2023.
PL 5643/2023, do Cabo Gilberto Silva
Trata-se de PL específico para os crimes cometidos no 8 de janeiro. Seu texto prevê que Fica concedida anistia, nos termos do art. 48, VIII, da Constituição Federal, a todos que, em razão das manifestações ocorridas em Brasília na Praça dos Três Poderes, no dia 08 de janeiro de 2023, tenham sido ou venham a ser acusados ou condenados pelos crimes definidos nos arts. 359-L e 359-M do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 Código Penal.
PL 5793/2023, do Delegado Ramagem e outros
Incialmente, há de se pontuar que o deputado que encabeça a lista dos signatários do projeto de lei foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República por crimes contra o Estado Democrático de Direito e hoje figura como réu em ação penal que tramita perante o Supremo Tribunal Federal.
O projeto procura alterar disposições legais do Código Penal pelo qual o deputado é hoje processado. Ele prevê a inserção de um artigo no diploma dos crimes contra o Estado Democrático que (i) excluiu a aplicação dos conceitos atinentes aos crimes multitudinários *** utilizada na condenação de criminosos do 8 de janeiro -, (ii) exige o emprego de violência ou grave ameaça seja de fato efetivados de alguma forma, para além do seu potencial e planejamento ****, e procura restringir a imputação dos crimes por participação e co-autoria *****.
Além disso, projeto altera regras de conexão que, taxativamente, poderiam excluir a competência do Supremo Tribunal Federal para apurar os crimes pelo qual o deputado é processado ******.
A toda evidência, é um PL que, malgrado possua disposições sobre concito doutrinário que poderia levar a revisão de processos dos condenados do 8 de janeiro, possui incidência preponderante nas ações penais relativas aos membros do alto escalão do governo federal na administração anterior.
PL 1216/2024, de Helio Lopes
Projeto que procura eximir os participantes das depredações do 8 de janeiro, beneficiados por Acordo de Não-Persecução Penal, de repararem os danos cometidos por suas ações.
O Art. 2º, propõe que a condição de pagamento de prestação pecuniária prevista no inciso IV do art. 28-A do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para oferta de acordo de não persecução penal, não se aplica aos investigados pelos atos ocorridos no dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília-DF, que estejam inscritos no Cadastro Único (CadÚnico) ou que comprovarem hipossuficiência conforme os critérios desta lei.
Segundo o 2º, do art. 2º, a condição de hipossuficiência para os fins desta Lei deverá ser atestada por meio de autodeclaração de hipossuficiência.
PL 4485/2024, de Marcos Pollon
O projeto tem por objetivo abolir as sanções relativas aos crimes contra o Estado Democrático de Direito impostas aos condenados do 8 de janeiro, mantendo-se as condenações apenas pelos delitos de dano.
O art. 1º prevê que Ficam revogadas, para todos os efeitos legais, as sanções aplicadas aos indivíduos acusados e condenados pelos atos ocorridos nos dias 8 e 9 de janeiro de 2023, em relação aos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e incitação ao crime.
Já o art. 3º propõe que a revogação dos crimes relacionados ao evento de 8 e 9 de janeiro de 2023 não impede a continuidade de investigações sobre eventuais crimes de dano cometidos durante os atos, que devem ser processados conforme os princípios do direito penal.
Trata-se de projeto que propõe solução intermediária que sugere a persecução apenas pelo delito de dano que, mesmo em sua forma qualificada, prevê penas de 6 meses a 3 anos de reclusão e admitem uma série de benefícios processuais.
Conclusões
A análise pormenorizada de cada um dos projetos de lei permite a visualização exata do que, de fato, está sendo discutido na Câmara do Deputados e a quem recairiam os benefícios propostos pela base bolsonarista.
Evidentemente, nenhum dos projetos possui objetivo específico de tratar com mais leniência os presos na Esplanada dos Ministérios, por conta das depredações ocorridas em 8 de janeiro de 2023 *******. Pelo contrário, carregam disposições que beneficiariam o alto escalão do governo envolvido em tramas golpistas ora objeto de ação penal proposta pela Procuradoria-Geral da República, perante o Supremo Tribunal Federal.
Mais do que isso, são projetos que possuem disposições de constrangimento ao Poder Judiciário, relativas, inclusive, a fatos não relacionados com as manifestações golpistas e a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
São projetos que, ainda, recairiam sobre a ordem e autoridade da Justiça Eleitoral e cassariam decisões que determinam a inelegibilidade, não apenas do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, como de qualquer condenado por ilícitos relacionados.
A compreensão global do que está sendo proposto é indispensável para a formação da opinião pública e parlamentar. Pesquisas de opinião deveriam formular perguntas específicas sobre a concordância e discordância em relação a cada um dos tópicos de proposição, sob pena de se eclipsar o debate, como se restringisse aos manifestantes da explanada dos ministérios.
Da mesma forma, parlamentares que hoje se mostram favoráveis à discussão da anistia, deveriam deixar claro para seus eleitores e representados se realmente são a favor do beneplácito total a agentes que, segundo a própria Procuradoria-Geral da República, dedicaram-se a cometer crimes contra o Estado Democrático de Direito.
O exame ora proposto vai muito além de mero preciosismo jurídico. Trata-se de atividade necessária para a iluminação do discurso público. E de precaução necessária para que eventuais jabutis não se tornem verdadeiros cavalos de tróia.
* A anistia de que trata esta Lei abrange quaisquer sanções administrativas, inclusive correcionais, para fins de qualquer responsabilização por corregedorias ou notas em assentos funcionais ou reincidência, bem como abrange sanções penais, todas e quaisquer restrições de direitos e todas as multas aplicadas por qualquer Poder da República, inclusive todos os órgãos judiciários, como Justiça Eleitoral, Comum, ou especializada, mesmo que decorrentes de descumprimento de medidas cautelares, liminares, ou via quaisquer decisões ou sentenças transitadas ou não em julgado, assim como por qualquer órgão da administração pública e qualquer Ente público, às pessoas físicas e jurídicas em decorrência dos atos descritos no art. 2º.
** 2º A condenação pelos crimes previstos neste Título não admite a incidência da figura do crime multitudinário, tampouco de qualquer teoria similar fundada na desindividualização ou na generalidade das condutas, exigindo-se, como pressuposto para a condenação, a individualização concreta dos atos praticados por cada coautor ou partícipe.
*** 3º As expressões com emprego de violência contra a pessoa ou grave ameaça e por meio de violência contra a pessoa ou grave ameaça, contidas neste Título, serão interpretadas no sentido de se exigir, para a caracterização do crime, a utilização de meios eficazes à efetiva consumação do tipo penal.
**** 4º O mero apoio financeiro, logístico ou intelectual para manifestações cívicas ou políticas, voltadas à defesa de direitos e garantias fundamentais ou a quaisquer outros valores presentes no seio social, não pode ser enquadrado, por si só, como ato de financiamento contrário ao ordenamento jurídico, nos casos em que integrantes ou dirigentes do movimento venham agir, eventualmente, com abuso de direito ou desvio de finalidade.
***** 5º A responsabilização penal de pessoas físicas ou administradores de pessoas jurídicas que decidam apoiar voluntariamente movimentos sociais ou manifestações cívicas ou políticas exige a demonstração, inequívoca, de: I - dolo direto na atuação para subverter o ordenamento jurídico; e II - nexo causal entre o auxílio prestado, as condutas antijurídicas praticadas e o resultado produzido.
****** 3º Em caso de conexão ou continência que envolva foro por prerrogativa de função, o inquérito, a persecução penal e o julgamento dos réus atraídos pela conexão ou continência somente poderão ocorrer concomitantemente ou posteriormente ao julgamento da autoridade cuja conduta seja a responsável pelo deslocamento da competência para a jurisdição de maior graduação.
******* 4º O exame do critério estabelecido no 3º deverá ser feito em cada uma das distintas fases do inquérito ou da ação penal, de modo a garantir que o(s) processo(s) dos corréus ou dos partícipes atraídos pela conexão ou pela continência nunca tenha(m) a marcha mais célere que o da autoridade detentora do foro por prerrogativa de função. 5º Uma vez cessado o exercício da função, o julgamento de todos os processos atraídos por conexão ou continência será imediatamente deslocado para as instâncias adequadas, independentemente da fase processual que esteja em curso, observados os critérios e as regras de fixação de competência dos órgãos com poder jurisdicional previstos no ordenamento jurídico, ressalvados os casos em que houver sentença definitiva.
******** Com exceção ao PL 1216/2024, de autoria do deputado Helio Lopes (PL-RJ).
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
Tags
Temas