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TECNOLOGIA
24/3/2025 10:44
"Ninguém é mais escravo do que aquele que falsamente acredita ser livre." Esta frase de Goethe ecoa na trajetória do arquiteto judeu László Tóth, protagonista do filme "O Brutalista". Após sobreviver ao Holocausto, Tóth emigra para os Estados Unidos, buscando reconstruir sua vida e carreira. Lá, recebe a encomenda de projetar o Instituto Van Buren, uma obra que, embora concebida para simbolizar progresso e renovação, acaba por refletir as sombras de um passado traumático.
A arquitetura do Instituto Van Buren é marcada por linhas austeras e pelo uso predominante do concreto, características do estilo brutalista. Suas torres imponentes evocam, de maneira inquietante, estruturas associadas a períodos sombrios da história. Além disso, a imposição de uma cruz sobre o altar do edifício, solicitada pelos patrocinadores e acatada por Tóth, adiciona uma camada de subversão à estrutura, contrastando com as origens judaicas do arquiteto e ressaltando a tensão entre memória e identidade.
Este paradoxo arquitetônico serve como uma metáfora poderosa para as dinâmicas de controle na era digital contemporânea. Assim como Tóth acreditava estar criando algo inovador, mas inadvertidamente replicava elementos de opressão, as plataformas digitais se apresentam como espaços de liberdade e expressão, enquanto, na realidade, estruturam ambientes que podem restringir e manipular seus usuários.
A ascensão das big techs transformou a paisagem da comunicação e da informação. Empresas como Facebook, Twitter e Google detêm um poder sem precedentes sobre o fluxo de dados e sobre o que é amplificado ou suprimido no discurso público. Essa concentração de poder levanta questões cruciais: quem controla as narrativas? Quais são os critérios para a moderação de conteúdo? E, fundamentalmente, até que ponto os usuários estão cientes das limitações impostas às suas supostas liberdades online?
A eleição de Donald Trump, em 2016, exemplificou o impacto dessas plataformas na política. A utilização de dados pessoais para campanhas direcionadas, como no caso da Cambridge Analytica, evidenciou como informações coletadas nas redes sociais podem ser empregadas para influenciar decisões eleitorais. Essa realidade expõe uma faceta preocupante: a manipulação sutil das percepções e comportamentos dos usuários, muitas vezes sem seu conhecimento ou consentimento explícito.
Em resposta a restrições impostas por plataformas tradicionais, figuras políticas têm buscado alternativas para disseminar suas mensagens. Trump, após ser banido de redes como Twitter e Facebook, lançou sua própria plataforma, a Truth Social, em 2022. Essa iniciativa reflete uma fragmentação do espaço público digital, onde bolhas ideológicas se fortalecem e o diálogo entre diferentes perspectivas se torna cada vez mais raro.
Paralelamente, líderes das big techs ajustam suas políticas conforme interesses específicos. Mark Zuckerberg, por exemplo, flexibilizou as diretrizes do Facebook e Instagram em momentos politicamente estratégicos, enquanto Elon Musk transformou o Twitter em um campo de batalha ideológico, onde as regras mudam conforme sua conveniência. Essas ações ressaltam a influência dessas corporações na formação da opinião pública e na definição dos limites da liberdade de expressão.
Retornando à metáfora arquitetônica de "O Brutalista", o Instituto Van Buren não era apenas um edifício funcional sua arquitetura carregava significados que iam além da sua utilidade. A estrutura, com suas torres imponentes e concreto bruto, evocava não apenas modernidade, mas também sombras do passado. Mesmo que seu arquiteto tenha acreditado estar projetando algo novo, sua obra carregava marcas invisíveis de um tempo que ele tentava esquecer.
De forma análoga, as redes sociais não precisam declarar censura para exercer controle; elas moldam o ambiente digital de maneira que as limitações sejam imperceptíveis, levando os usuários a acreditar que estão agindo com total autonomia.
A ilusão da liberdade não se manifesta através de proibições diretas, mas pela sensação de escolha dentro de parâmetros predeterminados. As plataformas digitais oferecem opções cuidadosamente curadas para manter a atenção e maximizar o engajamento, muitas vezes à custa da diversidade de pensamento e da profundidade das discussões.
Essa dinâmica tem implicações profundas para a democracia. A disseminação de desinformação, potencializada por algoritmos que privilegiam conteúdo sensacionalista, compromete o debate público e enfraquece instituições democráticas. Além disso, a falta de transparência nas políticas de moderação e a ausência de mecanismos eficazes de responsabilização permitem que essas corporações atuem com autonomia excessiva, muitas vezes alheias ao interesse público.
As antigas correntes foram substituídas por algoritmos invisíveis. Os muros agora são feitos de dados. Os guardas vigiam em silêncio. O controle não se impõe pela força, mas pelo direcionamento da atenção.
László Tóth não percebeu que sua criação arquitetônica perpetuava elementos de opressão até que estivesse concluída. Nós, enquanto sociedade, ainda temos tempo de perceber as estruturas que nos cercam. Mas será que temos tempo de escapar delas?
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].
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