Apesar das ouvidorias terem surgido no Brasil ainda no período imperial, sua função inicial estava atrelada ao sistema de Justiça, objetivando garantir a aplicação da lei na colônia e reportar-se ao rei. Já a primeira ouvidoria pública criada e instalada no Brasil, com atribuições similares às hoje existentes, ocorreu na cidade de Curitiba, no estado do Paraná, em 1986. A ouvidoria pública em âmbito federal foi criada em 1992, sob a denominação de Ouvidoria Geral da República e vinculada ao Ministério da Justiça, nos termos da
Lei nº 8.490/1992.
O papel das ouvidorias está atrelado a congruência de interesses entre os cidadãos e o Estado (todos os seus Poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário), o que exige acesso à informação, transparência e publicidade, princípios fundamentais para a prestação de contas à sociedade, consistindo em deveres da administração para com o cidadão. Nesse pormenor, a importância do compartilhamento de informação e sua contribuição para a democracia são alguns dos caminhos que ajudam a disseminar a transparência, conforme exposto por Yang e Maxwell (2011).
No Brasil, considerando essas premissas, foi aprovada a
Lei n° 12.527/2011, também conhecida como lei da transparência, a qual trata do grau de publicidade a ser conferido aos documentos oficiais da administração, onde a publicidade é a regra e o sigilo é a exceção, conforme exposto por Angélico (2015).
Michener, Contreras e Niskier (2018) fazem uma importante digressão sobre a Lei de Acesso à Informação (LAI),
Lei n° 12.527/2011, destacando a relevância da informação, cujo poder (Darch e Underwood, 2010) pode provocar resistências por parte do setor público (Hood, 2010; Michener, 2015; Roberts, 2006), o que devemos trabalhar para superação, ante aos benefícios conquistados.
De outro lado, com a consolidação do livre acesso à informação, e consequente clareza das atividades administrativas, houve a disseminação das ouvidorias, que ganham relevo com a implementação da LAI, até porque muitos órgãos da administração pública determinam que a atribuição de atender essas solicitações incumbiria às ouvidorias.
Considerando que a principal atividade do serviço público é satisfazer ao seu cliente, que são os cidadãos ou contribuintes, assim devemos pensar em um modelo de atendimento que os realize, aliando aos desígnios traçados por Martins e Marini, 2010.
Aplicando nesse pormenor os conceitos inerentes ao "Novo Serviço Público", descrito por Denhardt (2012) como uma visão superada da "Nova Gestão Pública", com foco na gestão democrática, participativa e interativa, entre os cidadãos e os governos. Onde os anseios dos cidadãos não devem sofrer embaraços do corpo burocrático ou dos gestores públicos, os quais devem identificar problemas e propor soluções colaborativamente, gerando um sentimento de responsabilização compartilhada. (DENHARDT, 2012)
Dentro desse contexto, reforça a relevância das ouvidorias, que podem servir como um mecanismo de melhora da gestão e qualidade do serviço, fazendo uso de ferramentas do setor privado aplicadas ao setor público, dando tratamento às informações disponibilizadas, bem como identificando o cidadão como cliente.
O Estado moderno deve ter entre suas missões estimular uma gestão democrática e mais participativa (REZENDE; FREY, 2005), onde a tecnologia possibilita aos cidadãos acesso a mais informações e serviços eficientes (LEITE; REZENDE, 2010). Portanto, a tecnologia permite maior interação e comunicação entre o usuário e o poder público (AURIGI, 2005). Promovendo assim o aumento da accountability social (FOX, 2015). Nesse pormenor, Gascó-Hernández, M., Martin, E. G., Reggi, L., Pyo, S., & Luna-Reyes, L. F. (2018) demonstra a importância da construção de governos com dados abertos, servindo a transparência como um incentivo à colaboração e à inovação (Harrison, Pardo e Cook, 2012), aqui reportando aos conceitos de transparência ativa e passiva, como designadas pela LAI.
Considerando esse cenário podemos identificar algumas missões relevantes destinadas às ouvidorias.
O primeiro desafio diz respeito ao debate proposto por Michener e Bersch (2013) sobre o alcance da palavra transparência, a qual, na visão dos autores acabou sendo utilizada na literatura sem uma precisão doutrinária a respeito, razão pela qual se debruçaram sobre essa problemática, propondo dois binômios norteadores para a identificação da palavra: visibilidade e inferibilidade. Onde visibilidade significaria a completude e facilidade da informação, e inferibilidade a qualidade da informação, possibilidade de verificabilidade e simplicidade. Sendo relevante analisar a transparência da administração pública tomando como base esse binômio.
Logo, conforme constatado nas conclusões do trabalho de Santos e cols. (2019), divulgar a existência da ouvidoria, explicando para que serve, é um dos caminhos necessários para o conhecimento e estímulo à sua utilização.
Soma-se ao exposto, utilizar de uma linguagem simples, viés em consonância com o recente "Pacto Nacional do Poder Judiciário pela linguagem simples", com o objetivo de adotar linguagem direta e popular, compreensível a todos os cidadãos, seja nas decisões judiciais quanto na comunicação geral, pressupondo também a inclusão, com uso de Língua Brasileira de Sinais (Libras) e audiodescrição.
Da mesma forma, vale ainda destacar a necessidade de manter atualizado o portal da transparência.
Um outro desafio diz respeito às resistências por parte do setor público em fornecer e trabalhar essas informações (Hood, 2010; Michener, 2015; Roberts, 2006). A partir da manifestação do cidadão a ouvidoria identifica os pontos a serem aprimorados, contribuindo para a melhoria da gestão pública, atuando de forma preventiva, bem como a produção de relatórios periódicos ajudará nesse aperfeiçoamento, em consonância com os desígnios do "Novo Serviço Público".
Esses dados são de grande importância para as avaliações a respeito do respectivo órgão. Costa e Castanhar (2003) esclarecem que a avaliação é uma atividade para ser exercida em todos os ciclos da política (definição, formulação, implementação e avaliação stricto sensu), que tem como objetivo guiar os tomadores de decisões.
A utilidade da avaliação consiste na capacidade de produzir informações necessárias para o processo de tomada de decisões, com o propósito de fundamentar melhor as decisões e prestar contas das políticas públicas (ALA-HARJA e HELGASON, 2000). A avaliação objetiva aumentar a eficiência e eficácia do setor público, embora ainda sofra resistências burocráticas para sua implementação. (MOKATE, 2002)
Há ainda o desafio de promover a participação cidadã, que engloba a necessidade de conscientização e engajamento social, essa participação democrática concomitantemente ao processo de transparência governamental, também contribuirá para a melhoria da gestão pública, conforme abordado por Vijge (2018).
Por fim, após a publicação da
Lei 13.709/2018 - Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) -, que regulamenta o uso, a proteção e a transferência de dados pessoais, apresenta-se um novo desafio, principalmente diante das normas já existentes em relação à LAI. Logo, dar o tratamento adequado a essas informações é relevante, para que a publicidade e privacidade não entrem em conflito.
O Poder Judiciário já demonstrou estar atento a muitos desses desafios, tanto assim que positivou normas a esse respeito, trata-se da Resolução Nº 432 de 27/10/2021 do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre as atribuições, a organização e o funcionamento das ouvidorias dos tribunais, da Ouvidoria Nacional de Justiça e dá outras providências.
No âmbito do Poder Executivo foi criada a Rede Nacional de Ouvidorias, prevista por meio do
Decreto n. 9.492/2018, integrando as ouvidorias públicas, especialmente aquelas relacionadas aos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Tendo entre seus objetivos a construção de uma agenda nacional, incentivo à participação social e preservação dos direitos dos usuários.
Considerando a revolução na informação provocada pela internet não se pode conceber uma administração pública democrática se esta deixar de cumprir com seus deveres básicos. Enfim, não há democracia sem transparência e informação.