[caption id="attachment_122806" align="alignleft" width="285" caption="Religiosos se manifestam contra o aborto de fetos anencéfalos, em frente ao Supremo Tribunal Federal, em abril de 2012"]
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[fotografo]Antonio Cruz/ABr[/fotografo][/caption]Na campanha presidencial de 2010, o tema
aborto infernizou a vida da então candidata Dilma Rousseff. Seus adversários, em especial o ex-governador José Serra (PSDB), a acusaram de ser favorável à legalização do aborto, na tentativa de retirar dela o apoio de membros das igrejas evangélicas e de outras religiões. Após intensa polêmica, ainda durante a campanha eleitoral, ela terminou assinando uma carta na qual se comprometeu a não alterar, de nenhuma forma, a legislação brasileira sobre o tema.
Três anos depois, a controvérsia está de volta. Lideranças católicas e evangélicas não aceitam a decisão tomada por Dilma na última quinta-feira de
sancionar sem vetos a Lei 12.845/13, a chamada Lei das Vítimas Sexuais. Para elas, o
texto publicado ontem no
Diário Oficial abre brechas para a realização de abortos com amparo legal.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou nota oficial para expressar sua insatisfação. Como o
Congresso em Foco informou no último dia 18, a entidade e outras organizações religiosas se reuniram na véspera com a ministra-chefe da Casa Civil, Gleise Hoffmann, e o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, para pedir que fossem suprimidos do projeto aprovado pelo Congresso dois dispositivos. O que define violência sexual como "qualquer atividade sexual não consentida" e o que dá a mulheres vítimas de violência sexual a possibilidade de fazer "profilaxia da gravidez".
Em vez de vetá-los, Dilma optou por sancionar integralmente o texto e enviar ao Legislativo projeto de lei no qual modifica a sua redação, acatando, aí sim, as mudanças defendidas pelas igrejas. No projeto, violência sexual é definida como "todas as formas de estupro" e a expressão "profilaxia da gravidez", utilizada no texto da lei sancionada para se referir à pílula do dia seguinte, é substituída por "medicação com eficiência precoce para prevenir gravidez resultante de estupro".
"Esse projeto vai ser votado quando?", questiona o deputado federal evangélico
Lincoln Portela (PR-MG), ex-líder da bancada do seu partido. "Sabemos que há projetos ali na Câmara que ficam 15, 16 anos e não são votados". Na opinião dele, houve "quebra de compromisso" em relação ao que foi prometido na campanha presidencial e talvez até mesmo em relação às conversações mais recentes. "Não participei dessa negociação de agora, mas a informação que tive é que ela havia se comprometido a vetar. Se houve mesmo esse compromisso e ela vetou, piora a situação", afirmou o parlamentar ao
Congresso em Foco, acrescentando que "esse é um problema do tamanho da igreja católica e das igrejas evangélicas". "Vamos ver como isso será conduzido a partir desta semana, com o fim do recesso", concluiu
Lincoln Portela.
Em nota divulgada no final da tarde de ontem, a CNBB se queixou da "imprecisão terminológica e conceitual" da lei sancionada, argumentou que ela foi aprovada pelo Congresso "sem o adequado e necessário debate parlamentar e público" e disse que ela põe em risco o "direito constitucional de objeção de consciência, inclusive no respeito incondicional à vida humana individual já existente e em desenvolvimento no útero materno, facilitando a prática do aborto".
A negação desse direito se daria pela adoção como procedimento padrão na rede pública de saúde de um método contraceptivo - a pílula do dia seguinte - que poderia contrariar as convicções pessoais da mãe. Pouco depois de anunciada a vitória de Dilma no pleito de 2010, a CNBB sinalizou preocupação com a questão do aborto. Disse que cobraria dela
fidelidade a suas promessas de campanha.
A posição do governo
Ao anunciar a sanção integral da lei, com o envio simultâneo do projeto de lei, o Palácio do Planalto imaginava estar tomando as cautelas necessárias em relação a três tipos diferentes de pressão. O projeto contemplaria os interesses das organizações religiosas. A sanção da lei, aliás aprovada unanimemente pela Câmara e pelo Senado, prestigiaria o Congresso como um todo. E o conjunto de normas estabelecidas para garantir assistência a vítimas de violência sexual, além de tornar rotineiros procedimentos técnicos recomendados pelos órgãos de saúde e reivindicados pelos movimentos de mulheres e por uma parcela da população católica e evangélica, evitaria críticas, que se tornaram frequentes nos movimentos sociais e nas bases do PT, sobre a suposta capitulação do governo Dilma ao
conservadorismo moral dos líderes evangélicos.
No anúncio da sanção sem vetos, o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República, disse que o uso da pílula do dia seguinte evitará a concepção, contribuindo para reduzir o número de abortos legais feitos por mulheres vítimas de estupro. "Além de prestar apoio humanitário essencial para a mulher que foi vítima de uma tortura, porque todo estupro é uma tortura, permite que ela não passe por um segundo sofrimento, que é a prática do aborto legal. O que esse projeto faz é exatamente evitar a prática do aborto legal", disse ele, segundo a Agência Brasil.
Com a popularidade mais baixa que nunca, problemas de relacionamento com o Congresso e com vários segmentos sociais, tudo o que Dilma não precisava era brigar com as igrejas agora. Como demonstram a nota da CNBB e as primeiras reações dos evangélicos, porém, as pancadas já começaram.
Veja a íntegra da nota da CNBB
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Íntegra da Lei das Vítimas Sexuais (Lei 12.845/13)