Lula poderá recolocar o país no ambiente de tolerância e respeito democrático que o país necessita. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
Paulo Dalla Nora Macedo*
A minha expectativa para o terceiro governo do presidente eleito Lula parte da constatação de que o atual governo esgarçou as relações institucionais entre os poderes, trabalhou para corroer a democracia e foi, na essência, iliberal (perseguindo o modelo de Erdogan na Turquia e Viktor Orbán na Hungria).
Essas constatações não são minhas, mas a visão convergente dos principais cientistas políticos brasileiros, a qual a mídia mundial
mainstream liberal, como o
The Economist e o
Financial Times, endossa. Franjas da esquerda e da direita têm outra opinião, e, curiosamente, se alinham no discurso contra o "globalismo" e outros fantasmas.
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Participo de mais de uma dezena de grupos de debate político, com gente das duas franjas, e posso constatar que um jantar entre eles seria um curioso exercício antropológico. As ideias e até expressões são assustadoramente similares: até na desconfiança da ciência que nos deu as vacinas da covid eles convergem.
Os Estados Unidos, o outro país relevante que foi recentemente governado por uma força na mesma quadra ideológica, apesar de menos radical do que o caso brasileiro, está tendo que lidar com os efeitos por meio da maior investigação de terrorismo doméstico realizada na história do FBI, com o indiciamento de quase mil pessoas. O indiciamento do ex-presidente, por atentar contra as instituições, também parece ser iminente. Um caso inédito na história dos EUA.
Na semana passada, no Brasil,
foi preso um empresário bolsonarista que se tornou terrorista doméstico e planejava colocar uma bomba na cerimônia de posse de Lula. Não tomem essas pessoas apenas como desequilibradas. É preciso entender que elas reagem a um processo de recrutamento muito similar ao do ISIS nas periferias europeias: doses constantes de teorias da conspiração que explicam que o mundo é dominado por uma elite corrupta e que as instituições são uma farsa. No vazio de tudo, resta a implosão do sistema: prendam todos e/ou matem todos.
Esse preâmbulo é importante para qualificar porque considero que o principal desafio do terceiro governo Lula é restabelecer a normalidade institucional no Brasil, que influencia diretamente a nossa capacidade de enfrentar os problemas nacionais com a necessária tranquilidade e o nosso lugar no palco da política internacional. O Brasil precisa deixar de ser uma força de instabilidade política mundial: nosso lugar não deve ser ao lado da Hungria e Turquia. Enfim, o atual momento do Brasil pede uma atualização do célebre diagnóstico de James Carville, estrategista de Bill Clinton, com a política no lugar da economia.
Em função desse diagnóstico, vejo com otimismo as indicações de cinco pastas-chave na restauração da normalidade: Relações Institucionais (Alexandre Padilha); Casa Civil (Rui Costa); Justiça (Flávio Dino); Defesa (José Múcio); e Relações Exteriores (Mauro Vieira). Todos são nomes que têm como principal característica a abertura para o diálogo, vivência política, além de um enorme respeito à institucionalidade. Destacando que dois são do PT, dois de outros partidos, e um diplomata de carreira sem filiação partidária.
Claro que os desafios do Brasil são enormes, e envolvem também a economia, mas é preciso ter o diagnóstico correto da ordem dos problemas: com a bagunça institucional que a força de ruptura que nos governa trouxe, é impossível um governo implantar um programa econômico minimamente eficaz, seja ele qual for. Assim como da periferia política do mundo, lugar onde nos encontramos, não se influencia as decisões globais. O atual Presidente não era recebido por chefes de Governo ou Estado em nenhuma capital europeia relevante, e desde 2021 perdeu a porta dos EUA. Esses são fatos, goste-se ou não deles.
* Paulo Dalla Nora Macedo é economista e vice-presidente da Associação Política Viva.