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Congresso em Foco
06/11/2017 | Atualizado às 14h15
<< Câmara aprova projeto que endurece regras para funcionamento do Uber << Senado retira exigência de placa vermelha para aplicativos como Uber; texto volta à CâmaraMais importante do que observar o discurso da Uber é entender o que a empresa prefere deixar de fora do debate. A ideia de se apresentar como uma humilde força inovadora que vem para somar à sociedade e derrubar interesses arraigados não sobrevive ao exame da própria trajetória da Uber, e aos números envolvidos nesse processo. A campanha #Juntos pela mobilidade é uma sofrível tentativa de se apresentar como nossa parceira por uma vida melhor. A empresa criada em 2009 atingiu recentemente um valor de mercado de US$ 69 bilhões, mais do que muitas montadoras e infinitamente maior do que qualquer companhia de táxi. É difícil falar em livre concorrência quando o caminho à liderança do mercado em vários países é erguido sobre investimentos de capital de risco de US$ 11,5 bilhões. A Uber opera no Vermelho enquanto busca impor o monopólio sobre os lugares em que atua. Quando o alcançar, poderá fazer livre uso de seu "preço dinâmico", que já foi utilizado para ampliar em sete ou oito vezes as tarifas de cidades atoladas na emergência de nevascas. A empresa gosta de se apresentar como "disruptiva" e coloca-se como porta-voz de uma nova economia em que o compartilhar é mais importante que o possuir. Como adverte o pesquisador britânico Tom Slee no recém-lançado Uberização: a nova onda do trabalho precarizado (Editora Elefante), a tecnologia é apenas uma ferramenta para maximizar lucros, transferindo aos trabalhadores os custos de toda a operação. Então, quando falamos de um modelo de negócios que está se estendendo a todos os setores da economia, em definitiva a regulação não é uma questão menor, ou a defesa de interesses arcaicos. Trata-se de tentar resguardar um mínimo de dignidade. Nos Estados Unidos, a Uber fez circular um relatório que dava conta de que um motorista em Nova York ganhava US$ 90 mil ao ano. A imprensa começou uma busca por esse motorista, logo apelidado de UberCórnio, uma criatura mágica - e fictícia. Tom Slee fez os cálculos e chegou à conclusão de que, descontados todos os custos, sobra ao trabalhador em torno de US$ 30 mil ao ano, média do que ganham os taxistas na cidade. Qualquer pessoa que utilize os serviços e tenha conversado com os motoristas chegou a alguma conclusão parecida: o trabalho é tão extenuante, perigoso e mal-remunerado quanto o de um taxista. A extensão do sistema de aplicativos a outras áreas de serviços, como se pretende, ameaça "uberizar" milhões de brasileiros. A Uber faz vender o emprego dos sonhos: sem patrão, dirige-se quando quiser. Mas a própria empresa gasta milhões no desenvolvimento de sistemas que mapeiam e direcionam o comportamento do motorista. Não foram poucas as revelações nesse sentido. O New York Times mostrou como o aplicativo passou a empurrar os trabalhadores a certas áreas da cidade e a criar mecanismos que esticam mais e mais a jornada. A ideia de que os sistemas de reputação - as estrelinhas que motoristas e passageiros dão uns aos outros - substituem com perfeição a regulação é também falaciosa. Dar uma estrela em vez de cinco após sofrer um estupro ou ser roubado certamente não resolve a questão. Mundo afora, a empresa tem lavado as mãos diante de problemas graves, ou seja, crimes, que têm acontecido com frequência. É difícil ignorar a necessidade de regulação diante da empresa que afirmou que poderia aumentar a fatia que toma dos motoristas simplesmente porque quer; que estimulou seus "parceiros" a enfrentar e desrespeitar leis e normas democráticas em várias cidades; que é acusada de roubar dados da concorrência; que teve acesso à tela de celular dos usuários durante anos, como revelou a Apple; que tardou a responder a denúncias de abuso sexual envolvendo diretores; que montou uma enorme rede de lobby nos Estados Unidos. A notícia de que o presidente-executivo da empresa decidiu visitar o Brasil em meio aos debates no Congresso só mostra a importância que o país ganhou para uma empresa que vê a imagem arranhada dia após dia. Os investidores precisam de retorno sim ou sim e, para isso, quanto menos regras, melhor. Mas uma regulação sensata não é pedir muita coisa. Ter acesso aos dados sobre número e localização de motoristas é o mínimo que o poder público precisa para regular a densidade dos serviços. O excesso de carros é nocivo para o trânsito e para os motoristas, que acabam obrigados a leiloar cada vez mais barato sua mão de obra. O cenário futuro propiciado pelos aplicativos é devastador para o trabalho.
<< Uber e Cabify dizem que Senado "demonstrou sensibilidade" e "ouviu vozes" de motoristas e usuáriosNas semanas que antecederam a votação decisiva no Senado, várias cidades brasileiras regulamentaram os aplicativos de serviço de transporte. É a conhecida política da Uber de apresentar-se como fato consumado. "Somos o futuro. Lidem com isso." Resta agora saber se a Câmara também mudará de rumo perante o poder de pressão da empresa. A tecnologia tem um papel decisivo na melhoria das condições de vida da população mundo afora? Sem dúvida. A Uber tem condições de estar à frente desse processo? Definitivamente, não. *João Peres é jornalista, integrante do Conselho Editorial da Editora Elefante e tradutor do livro "Uberização: a nova onda do trabalho precarizado". Tadeu Breda é coordenador editorial da Editora Elefante.
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