"Não há aparentemente nenhum desejo por parte dos partidos de baixar a guarda, sequer em nome de uma mínima governabilidade", analisa auditor do Tesouro Nacional[fotografo]Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil[/fotografo]
É certo que a indicação do juiz
Sergio Moro foi uma vitória do presidente eleito. O atendimento
ex-ante de uma demanda gritante da sociedade deve gerar efeitos muito positivos para o novo governo. Mesmo que a efetividade das ações propostas pelo futuro superministro não seja um sucesso retumbante de crítica, há uma boa chance de que o público venha a aplaudir de pé ao que vai assistir, como já está acontecendo.
O acirramento da polarização política que acompanhamos nessas eleições chegou a um ponto inimaginável, capaz de rechear de irracionalidade alguns discursos sobre coisas corriqueiras do dia a dia, incluindo o comportamentos privado das pessoas. Tudo para uma boa colheita de capital eleitoral.
Essa radicalização produziu narrativas quase bélicas. Quanto mais extremas fossem as posições, mais apoio impensado e automático era construído, disseminando todo tipo de conteúdo que justificasse o ódio, gerando pânico e a necessidade de "alinhamento". O centro político, democrático, evaporou nas urnas.
O PT já vinha demonstrando se sentir acuado nos últimos tempos, especialmente diante das denúncias e julgamentos de casos de corrupção nos quais seus membros estão envolvidos. A massa de descontentes com o partido cresceu muito. Inconformados, antes "mudos", passaram a ter voz e vez na representação desse clamor, alimentando ainda mais ressentimentos. Desgastado, o partido se entrincheirou, colocando-se mais à esquerda do que indicavam as posições usualmente adotadas pelos seus governos.
O PSL, do presidente
Bolsonaro, foi caminhando célere para o outro polo da radicalização ideológica. Qualquer coisa antes dita "de direita", muito ou pouco, passou a não fazer mais sentido. Em termos comparativos, PSDB, DEM, PR, PPS e mesmo o fisiológico MDB, entre outros menos cotados, estão sendo escanteados como párias da vida nacional, estruturas incapazes de atender à sanha por renovação e pela substituição imediata de tudo o que nosso sistema político reproduz e representa.
Se alguns analistas não identificaram uma movimentação clara dos candidatos no segundo turno em direção a posições mais moderadas na busca por votos indecisos, especialmente por parte de Jair Bolsonaro - imagina-se que para que para não enfraquecer a forte mobilização das suas bases -, não se pode dizer que
Haddad não tenha tentado construir pontes. Próximo ao pleito, entretanto, ensaiou um discurso mais radical, de capitalização da narrativa "de esquerda", provavelmente dando a derrota como certa e já pensando em comandar a oposição com vistas a 2022.
PT e PSL serão os maiores partidos na Câmara dos Deputados. Os papéis de protagonismo nessa disputa estão dados e não há aparentemente nenhum desejo por parte dos partidos de baixar a guarda, sequer em nome de uma mínima governabilidade. O fenômeno que fez um deles aparecer e crescer quase instantaneamente e o outro resistir a uma tempestade perfeita que poderia tê-lo aniquilado será cultivado com todo o carinho.
O PSL deve ser isso mesmo que parece representar: uma armada antipetista que faz da imagem invertida que o espelho reflete, sua razão de existir. O PT, agora mais radical, pode passar a isolar lideranças ponderadas que busquem algum diálogo com o governo. Ambos, porém, apostarão suas fichas na antiga receita de manter o inimigo por perto, coexistindo e se fortalecendo mutuamente em uma guerra controlada.
A partir de 2019, a pauta anticorrupção e anticrime organizado do ministro Moro ainda vai ser muito usada, dentro e fora do governo, para manter essa corda bem esticada. Mesmo que ele não tenha essa pretensão e nada faça nesse sentido, será muito difícil impedir a influência sedutora que a conquista fácil de poder provoca. Ao futuro ex-juiz, recomenda a prudência, caberia se proteger desse papel, que será muito mais político que candidatar-se a qualquer cargo público.
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