Governo impôs 100 anos de sigilo para carteira de vacina de Bolsonaro e outros 100 anos para processo administrativo contra o ex-ministro Eduardo Pazuello. Foto: Isac Nóbrega/PR
Sigilo de 100 anos para o cartão de vacina do presidente da República. Extinção por decreto de conselhos com participação popular. Ampliação do número de pessoas com poder de decretar segredo em documentos públicos. Essas são apenas algumas das iniciativas do governo federal que contrariam os preceitos da transparência na administração pública, principal propósito da Lei de Acesso à Informação (LAI), cuja vigência completou dez anos nessa segunda-feira (16). Levantamento da organização não-governamental Transparência Brasil reúne quatro dezenas de casos em que o governo Bolsonaro atentou contra a LAI ou sonegou informações de acesso público. O Congresso em Foco selecionou 15 dessas violações. Veja a sequência nas imagens abaixo:
Donos do sigilo Decreto 9.960/2019 23/01/2019Alterou regras de aplicação da Lei de Acesso à Informação (LAI) no Executivo federal determinadas no Decreto 7.724/2012, ampliando o grupo de agentes públicos autorizados a colocar informações públicas nos mais altos graus de sigilo: ultrassecreto (25 anos, renováveis por mais 25) e secreto (15 anos).
Foi revogado após
pressão da sociedade civil e possibilidade concreta de derrota no Congresso, que mostrava tendência de derrubar o decreto.
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Extinção de conselhos Decreto 9.759/2019 11/04/2019Extinguiu colegiados federais (conselhos, comitês, grupos de trabalhos, entre outros), reduzindo a participação social - e, consequentemente, a transparência - no governo. O próprio decreto é pouco transparente, pois não enumera os colegiados a serem extintos e tem redação dúbia. Foi
parcialmente derrubado pelo Supremo.
2
Prazo maior para a LAI Medida Provisória 928/2020 23/03/2020Suspendeu os prazos de atendimento a pedidos de informação determinados na Lei de Acesso a Informações, sem possibilidade de recurso contra tais negativas de atendimento a pedidos. Na prática, suspendeu a transparência passiva garantida pela LAI.
Teve os
efeitos suspensos após liminar deferida pelo ministro do STF Alexandre de Moraes e confirmada pelo plenário do Supremo.
3
Orçamento secreto 1 Decreto 10.888 09/12/2021A norma "finge" impor publicidade às emendas de relator - que compõem o orçamento secreto -, mas não obriga a divulgação de nomes dos "padrinhos" das emendas nem determina a criação/aperfeiçoamento de sistema que reúna essas informações.
4
Teste de covid Março-abril/2020A Presidência da República se
recusa a divulgar exames segundo os quais o presidente Bolsonaro teria testado negativo para a covid-19. Os exames só foram divulgados após batalha judicial com o jornal O Estado de S.Paulo.
5
Ministério da Saúde Junho/2020O Ministério da Saúde tira do ar o portal com dados oficiais de casos de covid-19 no país, sob a justificativa de alteração de metodologia de divulgação. O novo portal colocado no lugar não continha o número acumulado de casos e mortes e deixou de divulgar as taxas de contaminação e óbitos por 100 mil habitantes e de letalidade.
Não era mais possível, além disso, fazer o download da base de dados. Bases de dados com o histórico da covid-19 e de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) no Brasil desapareceram do repositório do SUS (Sistema Único de Saúde). Após pressão da
sociedade civil e decisão do STF, algumas informações voltaram ao ar.
6
Pareceres de vetos e sanções 2019-2020Adotando um procedimento não previsto na LAI e
contrariando a si própria, a CGU adotou o entendimento de que pareceres jurídicos usados para embasar a sanção e vetos presidenciais a projetos de lei aprovados no Congresso são sigilosos. Segundo a CGU, aplica-se o sigilo entre cliente e advogado em relação à Advocacia-Geral da União e às assessorias jurídicas dos órgãos federais.
7
Orçamento secreto 2Janeiro/2021A
existência do orçamento secreto é revelada, evidenciando a falta de transparência do Ministério do Desenvolvimento Regional na aplicação das emendas de relator e do Congresso Nacional no uso do instrumento.
8
Sigilo para cartão de vacinaJaneiro/2021Em resposta a pedido de informação, o Planalto afirma que o cartão de vacinação do presidente da República é documento pessoal e está
sujeito a sigilo de 100 anos.
O GSI se nega a fornecer dados sobre visitas de lobistas de armas e advogados de
Flávio Bolsonaro ao Palácio do Planalto, sob o argumento de cumprimento da LGPD.
9
Trabalho escravoMaio/2021Governo federal nega acesso a relatórios de fiscalização de trabalho análogo à escravidão, contrariando entendimentos anteriores pela publicidade dos dados e ancorando-se na LGPD.
10
Processo de PazuelloJunho/2021Exército impõe
sigilo de 100 anos a processo administrativo que isentou o general Eduardo Pazuello de punição por engajamento em atividade político-partidária.
11
Processos na PFJulho/2021Polícia Federal restringe acesso a todos os processos registrados no órgão por meio do Sistema Eletrônico de Informações (SEI).
12
Visitas de Valdemar a BolsonaroAbril/2022GSI nega acesso a registros de entrada e saída, no Palácio do Planalto, de Valdemar Costa Neto, presidente do atual partido do presidente da República, sob o argumento de "risco à segurança do presidente".
13
Pastores lobistasAbril/2022GSI nega acesso aos registros de entrada e saída, no Palácio do Planalto, de
pastores acusados de cobrarem propina de prefeitos para liberação de verbas do FNDE. Justifica a negativa com o argumento da proteção de dados pessoais, contrariando entendimento já estabelecido pela CGU de que tais dados devem ser fornecidos. Após repercussão negativa, o
órgão liberou os dados.
14
Viagem à RússiaAbril/2022Itamaraty classifica como sigiloso todo o itinerário e informações sobre a comitiva presidencial que
esteve na Rússia em fevereiro, sob a alegação de que a divulgação das informações representaria risco a negociações internacionais.
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Como mostrou o Congresso em Foco, especialistas consideram que a LAI está sob forte ataque no governo Bolsonaro. "Além das medidas formais tomadas nesta gestão, que, se tivessem prosperado, teriam enfraquecido a LAI, tem-se as seguidas negativas de acesso a informações sob argumentos descabidos e por meio da aplicação indevida de sigilos. Isso tudo afeta diretamente a transparência no governo federal, e também sinaliza aos níveis locais que o sigilo, ou a opacidade, são um caminho possível - e até válido", observa a gerente de projetos da Transparência Brasil, Marina Atoji. "Sem esquecer, ainda, do enfraquecimento da gestão da informação e de documentos, seja pela desvalorização do Arquivo Nacional, seja pela pouca atenção ao tema dentro dos órgãos", acrescenta Marina.