Publicidade
Publicidade
Receba notícias do Congresso em Foco:
LUTO NA IGREJA CATÓLICA
Congresso em Foco
21/4/2025 | Atualizado às 13:26
Para o vaticanista italiano Salvatore Cernuzio, integrante da redação do Vatican News e colaborador de veículos como La Stampa e Zenit, o papado de Francisco não deve ser lembrado apenas pelas "primeiras vezes", mas pelos processos que iniciou. Em um balanço detalhado dos 12 anos do pontífice argentino à frente da Igreja Católica, Cernuzio o descreve como um líder que rompeu protocolos, desafiou tradições e transformou o próprio conceito de papado.
"Francisco não buscou ser o primeiro em algo. Seu objetivo foi abrir caminhos que outros possam seguir ou não ignorar", escreve o jornalista, que acompanhou de perto o pontífice em dezenas de viagens e decisões históricas", em artigo publicado no Vatican News, portal de comunicação do Vaticano.
O Papa Francisco morreu na madrugada desta segunda-feira (21), no Vaticano, aos 88 anos. Ele enfrentava problemas de saúde agravados por uma pneumonia. A causa da morte ainda não foi anunciada oficialmente. Um conclave deve ser convocado para daqui a 15 ou 20 dias para a escolha do sucessor do papa argentino. Sete cardeais brasileiros estão aptos a participar da votação e podem, em tese, ser escolhidos como sumo pontífice.
Um papa que não esperou
Francisco foi o primeiro papa latino-americano, jesuíta e o primeiro a escolher o nome do santo de Assis. Também foi o primeiro a liderar a Igreja com seu antecessor ainda vivo. Mas, para Cernuzio, essas "estreias" são secundárias diante da transformação que o pontífice provocou na forma de exercer o ministério petrino.
"Ele não governou com manuais ou fórmulas, mas com gestos", afirma o vaticanista, ao destacar ações como as visitas a presídios e periferias, os telefonemas pessoais a fiéis e o estilo despojado optando por viver na Casa Santa Marta, e não no Palácio Apostólico.
Processos, não conquistas
Segundo vaticanista, ao longo de seu pontificado, Francisco foi além da retórica. Deu forma concreta a ideias como sinodalidade (participação e comunhão de todos os membros do povo de Deus na missão da Igreja), fraternidade universal e uma Igreja em saída, voltada aos pobres, aos migrantes e aos marginalizados.
Cernuzio destaca que o papa preferia plantar sementes a colher aplausos. Exemplo disso são os sínodos ampliados, com escuta popular e participação de mulheres, as reformas da Cúria Romana e as mudanças no tratamento de abusos sexuais, que incluíram o fim do segredo pontifício e novas regras de responsabilização para bispos.
"Esses processos são, em grande parte, irreversíveis. São movimentos de fundo que moldarão a Igreja do futuro", analisa o jornalista, autor do livro O véu do silêncio Abusos, violências, frustrações na vida religiosa feminina.
Pés no chão e nas periferias
Segundo Cernuzio, o modo de ser de Francisco é marcado por uma boa obstinação que o levou a visitar lugares esquecidos ou considerados perigosos, como o Iraque em 2021, a República Centro-Africana em 2015 e os campos de refugiados em Lesbos. Suas viagens, ao todo 47 internacionais, foram expressão concreta de seu compromisso com a paz, o diálogo inter-religioso e a dignidade humana.
"Mesmo com idade avançada e limitações físicas nos últimos anos, Francisco manteve uma intensa agenda. Aos 87 anos, viajou ao Sudeste Asiático por duas semanas, num roteiro exaustivo de mais de 30 mil quilômetros. Era uma teimosia guiada pela fé. Ir onde ninguém foi, dialogar com quem ninguém ouvia, denunciar o que ninguém queria ver."
Pastor em tempos de guerra
O vaticanista também destaca a ação do papa diante dos conflitos armados especialmente na Ucrânia e no Oriente Médio. Francisco foi incansável em seus apelos por cessar-fogo, orações pela paz e negociações diplomáticas. Visitou embaixadas, ligou para líderes e insistiu em que nenhuma guerra é justa.
Cernuzio lembra o gesto histórico em 2014, quando o papa beijou os pés de líderes do Sudão do Sul, implorando por paz. E o momento simbólico da Statio Orbis, em março de 2020, quando, sozinho sob a chuva em plena pandemia, atravessou a Praça São Pedro em silêncio, como quem carregava a dor do mundo.
"Essa imagem se tornou o retrato de um pontificado: um homem frágil, mas firme, caminhando em meio à tempestade com esperança."
Críticas e incômodo
Apesar de sua popularidade global e de gestos pastorais que conquistaram muitos fiéis, o papa Francisco também enfrentou duras críticas, tanto dentro quanto fora da Igreja. Para Cernuzio, muitos dos gestos e decisões inovadoras de Francisco como a abertura para que mulheres ocupassem cargos de liderança no Vaticano, a aproximação com pessoas LGBTQIA+ e o estilo pastoral menos formal provocaram desconforto em setores mais conservadores.
A remodelação do papado em termos simbólicos, incluindo a residência fora do Palácio Apostólico, o uso de roupas mais simples e a linguagem direta em transmissões ao vivo, foi vista por alguns como um rompimento exagerado com a tradição.
Incômodo
As reformas administrativas também foram alvo de oposição, segundo o vaticanista. Cernuzio lembra que o papa foi criticado por questionar protocolos antigos, alterar o funcionamento da Cúria Romana, e por sua atuação firme no combate a abusos sexuais cometidos por membros do clero inclusive ao estabelecer regras mais rígidas de responsabilização episcopal.
Além disso, seu posicionamento em temas políticos e sociais, como o apelo por desarmamento e a crítica aos senhores da guerra, renderam-lhe resistência entre líderes de governo e até mesmo em segmentos eclesiais. Em meio a essas tensões, Francisco manteve o tom firme, recorrendo ao bom humor, que o vaticanista descreve como aquilo que mais se aproxima da graça de Deus.
Um pontificado que ainda fala
Para Cernuzio, o legado de Francisco não se mede em números ou decretos, mas no modo como desafiou a Igreja e o mundo a olhar para os que são esquecidos. "Com humor, ternura e coragem, assinala o vaticanista, Jorge Mario Bergoglio renovou a linguagem da fé, sem abrir mão de sua essência. Ele quis uma Igreja que acolhe todos, todos, todos como repetia. E, com isso, abriu portas que dificilmente serão fechadas."
Veja algumas das principais viagens do Papa Francisco.
Lampedusa (2013)
Na primeira viagem fora de Roma como papa, homenageou os migrantes mortos no Mediterrâneo e lançou uma coroa de flores no mar em memória dos que perderam a vida tentando chegar à Europa.
Brasil (2013)
Em sua primeira viagem internacional como papa, visitou o Rio de Janeiro durante a Jornada Mundial da Juventude. A viagem ficou marcada pela imagem do papa cercado pela multidão no papamóvel.
Terra Santa (2014)
Visita ecumênica e diplomática com apelo pela paz entre israelenses e palestinos.
Cuba e Estados Unidos (2015)
Buscou selar a reaproximação diplomática entre os dois países. Em Havana, teve encontro histórico com o patriarca ortodoxo russo Kirill. Na ocasião, os dois assinaram a Declaração de Havana, em repúdio aos ataques sofridos pela comunidade cristã no Oriente Médio.
República Centro-Africana (2015)
Em meio à guerra civil, abriu ali a Porta Santa do Jubileu da Misericórdia.
Suécia (2016)
Participou das comemorações dos 500 anos da Reforma Luterana em Lund, fortalecendo o diálogo com os protestantes.
Lesbos (2016 e 2021)
Duas visitas ao campo de refugiados da ilha grega, reforçando sua mensagem sobre acolhimento aos migrantes.
Emirados Árabes Unidos (2019)
Assinatura da Declaração sobre a Fraternidade Humana com o Grão Imame de Al-Azhar, Al-Tayeb, considerada um marco do diálogo islâmico-cristão.
Iraque (2021)
Na primeira visita de um papa ao país, passou por Bagdá, Ur, Erbil, Mosul e Qaraqosh. Classificou a viagem de risco em plena pandemia como a mais bela.
Canadá (2022)
Pedido de perdão às comunidades indígenas pelos abusos cometidos por representantes da Igreja em escolas residenciais.
África Central (2023)
Viagem à República Democrática do Congo e ao Sudão do Sul. Esta última contou com presença de líderes de outras tradições cristãs, simbolizando esforço ecumênico pela paz.
Sudeste Asiático (2024)
Viagem mais longa de seu pontificado: Indonésia, Papua-Nova Guiné, Timor-Leste e Cingapura. Envolveu temas como ecologia, diálogo inter-religioso, reconciliação e desenvolvimento sustentável.
Temas
PRESIDENTE NAS REDES
Lula lamenta morte de Cristina Buarque e celebra Páscoa e Calderano