O general Eduardo Pazuello, foi o braço direito do presidente Bolsonaro na pandemia de covid-19. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Oxalá estava inconsolável naquele cair da tarde de sexta. Ele acabara de receber a notícia de que estavam negociando a vida, via mercado clandestino e obscuro de
vacinas destinadas ao combate da pandemia. Perguntava-se onde errara na criação da humanidade.
Desconhecia o motivo do apego exagerado ao poder que massacrava povos e culturas, escravizava seres humanos, sufocava esperanças e anulava projetos de vida. Não conseguia compreender a dificuldade da pessoa humana em fazer da solidariedade a sua própria fórmula de comunicação.
Ignorava a razão de se adorar o dinheiro como sendo o maior dos orixás? Os orixás então sendo derrotados na capacidade de proteger a terra? Religiosidades materialistas estavam surgindo? O processo civilizatório não mais controlaria a barbárie? O erro fazia parte do processo evolutivo? Seria falha de comunicação? Teria sido a qualidade do barro utilizado na criação?
-
Ere-îkó-katú-pe? - perguntou
Jaci, preocupada, ao perceber a expressão compenetrada e triste de seu orixá amigo. - Quer conversar conosco?
- Amanheci feito
Emanuel naquele dia em que foi ao mercado com João, Marcos, Mateus, Lucas e vários amigos - murmurou Oxalá.
- Se você está falando do dia em que perdi a paciência no Templo, posso compreender os seus sentimentos - apiedou-se Emanuel, sabendo qual o episódio mencionado por Oxalá. - É muito difícil aceitar a ganância das pessoas que nós criamos.
- Realmente estou falando do episódio que João nos contou - concordou Oxalá, sem se espantar com a onisciência de seu amigo. - Ele bem registra o seu momento de ira e revolta contra os mercadores que faziam do Templo um espaço de negócios e usura.
- "Tirem tudo isto daqui! Parem de fazer da casa do meu Pai um mercado!" - repetiu Jaci, imitando Emanuel, repetindo a frase que João anotara no Evangelho.
- Jaci! Jaci! - gargalhou Emanuel, com a imitação de sua voz.
- Oxalá, se você for
chilicar na porta de seu terreiro, avise-me antes - seguiu curtindo Jaci.
- Jaci e suas brincadeiras! - riu Oxalá, sabendo que amiga queria apenas trazer um pouco de alegria ao seu dia.
- Eu sei que o assunto é muito sério! Não é certo brincar com a dor e os sentimentos dos familiares que tiveram perdas evitáveis. - penitenciou-se Jaci. - Peço desculpa se fui incompreendida.
- Sabemos do seu iluminante amor! - consternou-se Emanuel. - Sabemos que você não falou com o sarcasmo dos que desprezam a vida. Você jamais humilharia qualquer pessoa, até porque a sua empatia sempre trouxe brilho para a humanidade.
- Realmente é muito triste saber que vendilhões seguem ativos no mercado da vida. Sei que eles estão aproveitando a
pandemia para corromper, roubar, trambicar e lucrar com o mercado das vacinas - retomou, séria, Jaci. - Oxalá tem mesmo razão em sua angústia e preocupação.
- Milhares de brasileiras e brasileiros estão morrendo em razão desse macabro comércio. O que esses mercadores da vida estão fazendo é bem pior do que os vendilhões do mercado de Jerusalém - consternou-se Emanuel. - E olhe que vários deles exibem-se como de pessoas de bem, algumas até camufladas em fardas moralistas.
- Eu tenho chorado muito com a morte de meu povo - suspirou Jaci. - Ainda hoje lamento não mais contar com a voz altiva e ativa do meu cacique Aritana Yawalapiti.
- Negou-se a validade das vacinas, para depois validarem um negócio nebuloso dessas mesmas vacinas, agora mais caras ou até mesmo inexistentes - retomou Oxalá. - Prevaricação, corrupção, propina, atravessadores, trambiqueiros e outras doenças passaram a ser inoculadas no corpo da sociedade.
- E todas essas ações criminosas com um poder tão letal quanto o vírus pandêmico - concluiu Jaci.
- Obaluaiê nos disse que os espíritos obsessores desses vendilhões têm espalhados os vírus da corrupção em vários entes públicos - complementou Oxalá. - Vai ser preciso muita água para lavar as escadarias dos prédios públicos e defumar as roupas e os uniformes que trajam.
- Lourenço conhece todas as doenças que contaminam a humanidade - concordou Emanuel. - A luxúria, a soberba e a avareza são doenças pecaminosas que têm matado muito.
- Anhangá não vê a hora de receber esses mercadores da vida em sua moradia - desabafou Jaci. - Ele e Jurupari, é claro!
- "Deus trará a julgamento tudo o que foi feito, inclusive tudo que está escondido, seja bom, seja mau" - afirmou Emanuel, citando Eclesiastes 12:14.
- Não vejo a hora de Exu espalhar a mensagem contra esses mercadores da vida - contribuiu Oxalá. - Assim ajudamos Anhangá e Jurupari a levarem para o baixo astral esses
kiumbas e espíritos obsessores que zombam das nossas criaturas.
- "Porque o juízo será sem misericórdia sobre aquele que não fez misericórdia; e a misericórdia triunfa sobre o juízo" - seguiu afirmando Emanuel.
- Espero que as palavras de Tiago iluminem a magistratura brasileira, para que condene esses mercadores ainda no plano terrestre - retomou Oxalá, esperançoso com o resultado do colóquio. - E que os raios de
Xangô abram um clarão de consciência no coração da cidadania brasileira.
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