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Gisele Agnelli
Gisele Agnelli
MUNDO
17/02/2025 | Atualizado às 09h54
2025. O ano em que a ficção se dissolveu na realidade. Em O Conto da Aia (1985), Margaret Atwood escreveu um aviso: quando o autoritarismo chega, ele não destrói; ele reordena. Não avisa; toma. Não precisa de campos de concentração; basta normalizar a violência como virtude e o ódio como política. Agora, sob a sombra de um segundo mandato de Donald Trump, esse aviso soa como uma crônica do presente, lida em coro pelas mulheres que enfrentam o projeto de um mundo mais sombrio, hierarquizado e hostil.
Não é possível analisar Donald Trump sem entender que ele não é um acidente, mas um sintoma. Trump é o rosto - grotesco, mas familiar - de um patriarcado ressentido e reativo, que se recusa a ceder espaço. Como descreve Luciana Gerbovic, ele encarna:
"A representação do pior produzido pelo patriarcado. O pior do ser humano está aí. E com tanto poder! Um desastre."
Em Trump, o patriarcado não apenas governa, mas goza: com a destruição, com o ódio, com o medo. Sua violência simbólica é performática, mas letal. Sua misoginia, mais que ideologia, é método. Trump não teme mulheres; ele precisa humilhá-las para existir.
Por que tantos homens seguem Trump? A psicanalista Cinthya Lanzoni oferece uma chave essencial: "Essa conduta misógina e exagerada abafa o medo que os homens comuns têm da igualdade de gênero." Trump é, antes de tudo, um consolo para a masculinidade em crise. Diante de décadas de avanço feminista, ele oferece um porto seguro: o patriarcado armado, grotesco, mas familiar. Os homens não votam em Trump por ignorância; votam por desespero. E esse desespero não é infundado. Como analisa Lenira Politano da Silveira, o trumpismo é reação ao feminismo: "Trump é revelador de um ressentimento masculino pela perda do poder hegemônico. onde as mulheres eram 'belas, recatadas e do lar'." A ascensão de Trump não marca um simples retrocesso; é uma guerra de trincheiras contra um século de avanços femininos.
Mas Trump não é apenas um produto do patriarcado; é a ferramenta de um sistema maior: o capitalismo predatório e a necropolítica. Como aponta Luciana Bauer, ele é a face de um sistema que já não produz vida, mas colapsos:
"Ele simboliza o triunfo de um capitalismo improdutivo. que se sustenta não pelo trabalho, mas pela destruição."
Esse é o verdadeiro "Make America Great Again": o passado como promessa e a destruição como política. Um mundo em que os ricos se tornam mais ricos não pelo trabalho, mas pelo colapso climático, pelo militarismo e pelo desmonte dos direitos sociais. Santina Rodrigues, psicóloga junguiana, aprofunda a análise:
"Trump simboliza a consolidação da necropolítica contemporânea."
Na lógica trumpista, governar não é proteger vidas, mas decidir quais vidas importam - e, mais importante, quais vidas são descartáveis.
É diante desse colapso, que não é só político, mas existencial, que a jovem trans Vivian Jenna Wilson, filha de Elon Musk, faz um lamento que é também um epitáfio:
"Não vejo meu futuro nos Estados Unidos. As pessoas que votaram voluntariamente nisso não irão a lugar nenhum tão cedo."
Vivian não foge de Trump; foge de uma nação onde o ódio foi normalizado a ponto de se tornar banal. Onde o voto virou arma, e a democracia, álibi para o fascismo. Ela nos alerta: O trumpismo não é um homem; é uma cultura. Mas, se o trumpismo é um sintoma, sua principal estratégia é o espetáculo. Não se trata apenas de governar, mas de entreter com o caos. Como observa Elaine Gomes, "A eleição de Trump representa o triunfo do espetáculo sobre o bom senso."
O governo Trump é uma performance: enquanto o país se incendeia em crises reais - climática, racial, social -, ele transforma o Twitter em palanque, a violência em marketing e o caos em capital político. Há quem chame Trump de acidente. Como diz Raquel Preto, ele é:
"Um terrível acidente histórico da humanidade."
Mas será mesmo acidente? Ou Trump é, como sugere Andrea Cristiane Vaz, o líder que uma sociedade impaciente e brutalizada escolhe para si? "Seu estilo direto e autoritário se torna sedutor. é o retrato de uma sociedade que escolhe a força em vez do diálogo." Assim como em Gilead, o trumpismo usa a moral religiosa como arma política. O discurso antiaborto, antitrans, antifeminista não é um subproduto; é o centro do projeto. Mariana Luz desnuda esse mecanismo: "Sua retórica racista, LGBTfóbica e xenofóbica expõe o uso perverso da religião e dos valores morais."
Em nome da "família" e da "vida", Trump impõe um regime de morte e controle. O útero, o gênero e o desejo são alvos porque são fronteiras de poder. No fim, Trump é, sobretudo, um pai. Mas um pai terrível - violento, vaidoso, destrutivo. Como aponta Kaká Rodrigues, ele governa pela lógica da dominação:
"Trump se comunica com violência. usando a força para submeter os mais vulneráveis."
Ele é o pai que destrói a casa só para provar que sem ele, ninguém vive.
Margaret Atwood nos advertiu: "Nos anos 80, quando eu escrevi O Conto da Aia, houve um momento de recuo (de direitos, comparado ao progresso na década de 70." Hoje, vivemos esse recuo, backlash, novamente e de forma avassaladora, já que o Presidente dos USA tem um impacto simbólico, financeiro, cultural e de diversas ordens no mundo como um todo. Trump, como Gilead, é o retorno ao passado como pesadelo. Mas, é importante destacar que, como toda distopia, O Conto da Aia tem algo mais: resistência.
As mulheres, que aqui falam com crítica, dor e fúria, são a prova de que o fim ainda não chegou. E, como sempre, são as mulheres que decifram essa realidade com a urgência de quem reconhece o perigo. Não é oposição, é sobrevivência. Gilead não é o destino; é um cenário de batalha. E, como na ficção, são as mulheres, principalmente as progressistas, as que se posicionam no front da guerra e na linha de tiro - pensadoras, escritoras, psicanalistas, ativistas - que carregarão a tocha. A luta é longa, mas, como nos ensinou Atwood, "não deixem que os canalhas te esmaguem" *
No livro de Atwood "O conto de Aia" esta frase é encontrada por Offred (protagonista) gravada dentro de um armário, por uma aia anterior.
"Eu já pensava nisso há algum tempo, mas ontem confirmei. Não vejo meu futuro nos Estados Unidos. Mesmo que ele [Trump] fique no cargo por apenas quatro anos, mesmo que as regulamentações antitrans não aconteçam magicamente, as pessoas que votaram voluntariamente nisso não irão a lugar nenhum tão cedo." (Vivian Jenna Wilson, filha transgênero de Elon Musk)
"Donald Trump apresenta traços de personalidade marcados por narcisismo, impulsividade e uma constante necessidade de validação externa. Sua retórica autoritária e comportamento polarizador refletem uma dinâmica de poder baseada na criação de inimigos e no reforço de sua própria imagem, o que impacta diretamente a coesão social e a percepção coletiva de realidade." (Inteligência artificial - persona feminina e feminista analisando Donald Trump)
"Trump é a representação do pior produzido pelo patriarcado. Goza com a destruição e com a disseminação do medo. Sente ódio pelo que não se parece com ele e quer contaminar a humanidade com esse ódio. Atropela o que for para conseguir poder, usado só para benefício próprio. O pior do ser humano está aí. E com tanto poder! Um desastre." (Luciana Gerbovic, mediadora de leitura)
"Trump parece ser a representação de uma posição que tenta preservar ideais conservadores, violentos, masculinistas e supremacistas, numa tentativa de manutenção de um poder opressor, que não suporta o diferente. Ele e seus defensores querem desesperançar quem luta por um mundo mais inclusivo, diverso e democrático, esvaziar a possibilidade de um futuro que não seja deles, homens brancos, super ricos, que, movidos pelo medo de perder seus lugares de poder, destilam o ódio como estratégia política" (Bárbara Paulino, psicóloga).
"Alguém que opera pela lógica da dominação, usando a força para submeter os mais vulneráveis à opressão está longe de ser considerado humano. Trump se comunica com violência, sendo um péssimo exemplo em um mundo que precisa de lideranças regenerativas." (Kaká Rodrìgues, professora e consultora de DEI)
"Trump é um narcisista egoísta ocupando uma posição que demanda exatamente o contrário: empatia, humildade, solidariedade, altruísmo e generosidade, ou seja, nada do que pode oferecer. Portanto, ele é um terrível acidente histórico da humanidade, cujas consequências ainda estamos apenas antevendo" (Raquel Preto, advogada tributarista)
"A eleição de Trump - e seus primeiros dias de mandato - representam o triunfo do espetáculo sobre o bom senso. Sua confiança desmedida e a superioridade que ostenta são preocupantes. Pergunto-me repetidamente o que levou o mundo a depositar poder em personagens desse tipo, capazes de governar e influenciar diretamente tantos países e o futuro de tanta gente. Além disso, é evidente que tamanha exposição midiática funciona como uma cortina de fumaça. Resta saber para quê" (Elaine Gomes, assessora de imprensa)
"Eu acho que o Trump, com sua masculinidade violenta e caricata, exerce um verdadeiro fascínio nos homens. Essa conduta misógina e exagerada abafa o medo que os homens comuns têm da igualdade de gênero e deve provocar um tremendo (e seguro) alívio. Além de prover uma via burocrática para o extravasamento de um impulso homossexual." (Cinthya Lanzoni, psicanalista)
"Donald Trump é a expressão máxima do capitalismo de extinção - um sistema que destrói os avanços civilizatórios conquistados até hoje. Ele simboliza o triunfo de um capitalismo improdutivo, guiado pelo financismo, como descreve Ladislau Dowbor: um capital que não se sustenta mais pelo trabalho ou pela produção, mas pela destruição e pelo acúmulo vazio. Trump é, em essência, a cereja do bolo desse modelo que consome o mundo a si próprio." (Luciana Bauer, advogada especialista em Justiça Climática)
"Trump simboliza a consolidação da necropolítica contemporânea: onde estarão os políticos efetivamente implicados na defesa da democracia? Trump, o retorno do recalcado, sempre convoca à elaboração de novos significados e ações, seja por parte de um indivíduo ou de uma sociedade. Desviar-se dessa tarefa não é uma opção em tempos de necropolítica" (Santina Rodrigues, psicóloga e analista junguiana. Doutora em psicologia pelo Ipusp)
"Donald Trump não é só um político controverso, é uma espécie de gângster da política: governa com intimidação, exige lealdade absoluta e trata as instituições democráticas como meros obstáculos a serem dobrados à sua vontade." (Drica Guzzi, cultura digital, tecnologia e educação)
"Trump representa a ideia de que existem aqueles que foram escolhidos; aqueles que são supostamente superiores ao resto na hierarquia social. Sem constrangimento e com a chancela do voto popular, Trump responde, com seu discurso radical, anticientífico e contra a diversidade, à ânsia daqueles que se julgam maiores e normaliza a crença de que nem todos são dignos. Serve, assim, de exemplo para líderes de todo o mundo que têm o mesmo pensamento" (Mayara Torres, advogada)
"Donald Trump representa, para mim, um símbolo sombrio do retrocesso político e social. Sua retórica agressiva, racista, LGBTfóbica e xenofóbica expõe o uso perverso da religião e dos valores morais para mascarar interesses econômicos e políticos. Ele simboliza uma ameaça ao progresso, não apenas nos Estados Unidos, mas também no Brasil, onde a extrema-direita se apropria da fé popular para perpetuar desigualdades. Sua figura me causa profunda preocupação, pois nos lembra que, mesmo após avanços importantes, o mundo segue elegendo líderes que representam o pior da política e da humanidade." (Mariana Luz, psicóloga e consultora de DEI)
"Donald Trump meio que representa tudo que eu rejeito: arrogância, misoginia, autoritarismo. Eu vivo pensando se isso pode ser um viés que me impede de ouvir o que ele diz, mas, quando escuto de verdade, sinto ainda mais repulsa. Sua presença é barulhenta, difícil de ignorar! "
(Isabela Guerra - psicóloga clínica de mulheres)
"Assim como em outros períodos críticos e incertos da História da humanidade, Donald Trump busca apresentar a falsa ideia de segurança e estabilidade, através do resgate de valores conservadores ( o passado - conhecido - sempre parece mais seguro e feliz). Nesse caminho, na perspectiva das mulheres, a figura de Trump é reveladora de um ressentimento masculino pela perda do poder hegemônico (expresso em movimentos como os "red pills"). Os avanços do movimento feminista, no último século, que abalaram estas estruturas de poder, vêm claramente provocando reações, que se expressam inclusive no aumento de casos de violência de gênero no Brasil. Trump, assim como outros líderes mundiais utilizam essa falsa promessa de retorno a um passado seguro - onde as mulheres - eram "belas, recatadas e do lar" (Lenira Politano da Silveira, atendimento a mulheres vítimas de violência, na Casa Eliane de Grammont)
"Donald Trump porta-se como a Rainha de Copas. Suas atitudes demonstram uma total despreocupação com as consequências de seus atos em relação ao povo americano, o meio ambiente e à sociedade global. Bom senso e equilíbrio são características imprescindíveis a um governante, em especial, alguém que detém tamanho poder e influência, mas é tudo que ele comprovadamente não possui"
(Adriana Cecilio - Advogada, Professora de Direito Constitucional e Diretora Nacional da Coalizão Nacional de Mulheres)
"Donald Trump atrai porque projeta poder e segurança - uma figura que aparenta ter todas as respostas, mesmo que pelo caminho da imposição e da radicalidade. Em um mundo que valoriza soluções rápidas, seu estilo direto e autoritário se torna sedutor, ainda que esvazie o diálogo e a diplomacia. É o retrato de uma sociedade impaciente, que escolhe a força aparente em vez da construção coletiva e do progresso sustentável." (Andrea Cristiane Vaz, Doutora em Psicologia Clínica, Métodos Psicanalíticos e Formações da Cultura, pela PUC-SP e TEXAS AM University)
"Trump é a perfeita combustão de nossos maiores medos: autocrata, narcisista e alguém para quem o tempo não trouxe sabedoria. Entre suas muitas camadas, talvez a mais reveladora seja aquela evidenciada por sua mãe, a jovem de 18 anos que nunca hesitou em se afirmar imigrante. Seu nome não está na lista de figurantes não pagos de Hollywood, mas na ala do Jamaican Hospital, reconhecida por seu trabalho com e para seres humanos. Alguém naquela casa tinha os pés no chão!" (Sara Wagner York, Pesquisadora CAPES)
"O governo de Donald Trump demonstra um retrocesso democrático. É uma ameaça, que coloca em risco os direitos conquistados por movimentos progressistas, no âmbito ambiental, econômico, social e político. Podemos considerar que até mesmos as relações internacionais estão sob ameaça. Trump representa o autoritarismo, negacionismo, racismo, sexismos entre outras violências que contribuem para manter as desigualdades nas sociedades" (Daiana Dias, Pesquisadora CAPES)