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DIVERSIDADE
6/4/2025 13:00
Sou negro, LGBTQIAPN+ e jornalista há 31 anos. Já cobri praticamente todas as editorias, e minha atuação como militante dos direitos humanos é um reflexo das experiências nem sempre fáceis de viver nesses dois marcadores sociais. Tenho observado, nos últimos anos, uma crescente valorização, ao menos no discurso, de pautas relacionadas à inclusão de pessoas negras e LGBTQIAPN+ em empresas privadas e órgãos públicos. A dúvida que se impõe é se essa busca por diversidade é real ou estamos diante de uma nova vitrine de marketing.
Sigo ressabiado. Não raro, vejo vagas que prometem inclusão, mas escondem exigências incompatíveis com a realidade da maioria da população negra e LGBTQIAPN+. Quando olho para trás, lembro que na minha escola e na faculdade estudei nos anos 1980 e 1990 não tive um único professor negro. Sobre sexualidade, sequer se falava. Eram tempos em que assumir-se podia significar isolamento, violência ou marginalização.
Tive a rara chance de estudar fora do Brasil, algo quase inalcançável para um jovem negro da época. Só consegui graças à estabilidade financeira dos meus pais outra raridade. Meu pai era tabelião, negro, e fez questão de investir na formação cultural dos filhos. Mas essa é outra história.
Volto à questão: a oferta de tantas vagas para negros e LGBTQIAPN+ é uma vontade genuína de mudar o mundo, torná-lo melhor para todos, ou oportunismo?
Segundo dados do Afro-Cebrap núcleo dedicado a raça, gênero e justiça racial a presença de negros e indígenas em cargos de liderança no serviço público federal cresceu entre 1999 e 2024: passou de 22% para 39%. Ainda assim, a desigualdade persiste. Hoje, homens brancos ocupam 35% desses cargos, contra 24% dos homens negros ou indígenas e apenas 15% das mulheres negras ou indígenas.
No setor privado, os desafios são ainda maiores. Em 2022, apenas 21% dos profissionais que se identificaram como LGBTQIAPN+ disseram ocupar cargos de liderança, segundo pesquisa da Mundo RH. É louvável que algumas empresas tenham metas de diversidade mas, na prática, ainda são raros os CEOs que assumem publicamente suas orientações sexuais ou identidades de gênero. Conheço apenas dois no Brasil.
Enquanto isso, nas telas e nas prateleiras das livrarias, a presença LGBTQIAPN+ segue tímida. Poucos títulos, quase nenhuma seção dedicada. E, quando encontramos algo, o rótulo é muitas vezes preconceituoso. Recentemente, vi o belíssimo filme Baby ser classificado como anormal por um espectador. Desliguei ali.
Não temos colunas permanentes sobre literatura, teatro e cinema LGBTQIAPN+. Só vemos reportagens pontuais, quase sempre no mês do orgulho, mas a abordagem poderia (e deveria) ser parte integrante da cobertura cultural. Qual é o caminho para essa mudança?
A resposta pode estar na consciência e também no bolso e isso, pelo menos, tem feito algumas marcas se mexerem. A chamada Pink Money, ou economia rosa, já movimenta US$ 3,9 trilhões por ano no mundo, segundo estimativas da LGBTQIAPN Capital. No Brasil, esse mercado representa cerca de US$ 96 bilhões (R$ 460 bilhões). Ou seja: somos potência econômica.
O conceito surgiu nos anos 1980 e 1990, em meio à visibilidade crescente dos direitos LGBTQIAPN+ nos EUA e na Europa. Hoje, consumidores dessa comunidade escolhem marcas que apoiam a diversidade de forma real, e não apenas no discurso. Eu, por exemplo, boicoto marcas que fazem pinkwashing quando usam a causa para parecerem modernas, mas não mudam absolutamente nada internamente.
Mais do que números, campanhas ou slogans, queremos viver em uma sociedade justa, democrática e em paz. Queremos estudar, trabalhar, amar e existir sem precisar nos provar o tempo todo. Incluir pessoas negras e LGBTQIAPN+ não pode ser só tendência ou vitrine. Tem que ser compromisso. De verdade.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected]
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